ELMAR CARVALHO

 

Na sexta-feira passada, embora de férias, fui resolver uns assuntos funcionais no Tribunal de Justiça. Estacionei meu carro ao lado de um edifício que o TJ está construindo para abrigar os juízos da Comarca de Teresina. Quando saí do veículo, um cachorro grande se aproximou de mim. Inicialmente, cheirou um dos pneus dianteiros da picape, e depois veio em minha direção. Confesso que fiquei um tanto receoso dos dentes caninos. Foi então que uma mulher começou a brigar com o animal, e o escorraçou a pedradas, sob a alegativa de que algumas de suas galinhas foram devoradas por um cão. O cachorro, diante das pedradas e das imprecações da mulher, bateu em retirada.

 

Já sem mais temor, fiquei com pena do animal. Senti, naquele momento, em toda a sua crueza, o que significa dizer “sair com o rabo entre as pernas”. Pude imaginar o sofrimento de um cachorro abandonado pelo dono, ou, o que é pior, espancado sadicamente pelo seu proprietário. Não faz muito tempo, vimos, pelas telas da TV, uma enfermeira, na frente de sua filha, ainda uma criança, a torturar de forma cruel, sádica, desumana, o seu pequeno cachorro. Nunca vi tamanha covardia e perversidade de um ser, que se diz feito à imagem e semelhança de Deus, frente a um indefeso animal. Não quis ver até o fim aquela cena brutal e estúpida, e além do mais sem a mínima razão de ser, da enfermeira a escoicear como uma égua enlouquecida a pequenina e inocente criatura, que ela se propôs criar, até matá-la.

 

Recordei que, quando a construção do prédio estava no início, eu estava conversando com o publicitário Sebastião Amorim, na porta de seu escritório. Foi ele quem me fez a programação visual de alguns livros de minha autoria, assim como produziu um documentário sobre a minha poesia, intitulado “O Poeta e seus Labirintos”, além de alguns clipes poéticos (alguns disponíveis na internet) e banners. Quando eu conversava com o Amorim, notei que vários animais, mormente camaleões e mucuras, surgiram, completamente desnorteados, com a devastação da pequena floresta, em cujo local o prédio foi erigido. Certamente alguns desses pequenos bichos foram atropelados por carros ou mortos pelas traquinagens de algum menino. Fiquei triste, e lastimei a construtora não tivesse adotado providências para procurar um local adequado para os animais, talvez logo ali perto, na margem esquerda do rio Poti, que ainda tem uma estreita nesga de floresta.

 

Recentemente, vi os grandes e vários outdoors que anunciam a construção de um condomínio e de um novo shopping, no terreno em que foi construído o sanatório Meduna. Neste diário, já tive oportunidade de defender a preservação do belo e histórico prédio do nosocômio, que tem a defendê-lo, simbolicamente, a magnífica estátua do cavaleiro Dom Quixote e a memória venerável de seu construtor, o médico e intelectual Clidenor Freitas Santos, que, se não era um cavaleiro andante, era um admirável cavalheiro, paladino de justas causas. Soube, pelo arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, que o projeto da obra preserva a conservação do velho edifício, que será um espaço cultural – talvez com auditório e espaço para abrigar a volumosa biblioteca do grande psiquiatra, que bem merece ter o seu nome dado à avenida Pinel, como advoga o seu ilustre colega, o médico e escritor Humberto Guimarães.

 

Muito bem, acredito – quero acreditar – que o velho Meduna será preservado. Entretanto, espero que os animais que habitam a bela floresta do imóvel também o sejam; que não lhes aconteça o que vi acontecer com os outros bichos a que me referi. Desejo que, ao menos, parte desse belo santuário ecológico urbano seja conservado, com as suas grandes, copadas e belas árvores, com os seus paus-d'arcos de deslumbrantes floradas, e os tucunzeiros, com a sua graça esbelta e espinhenta, para que ainda possamos ouvir o gorjeio das aves canoras e o canto rascante das cigarras, cantochão de uma catedral panteísta. E as cigarras, advirto, não são preguiçosas; o seu ofício é cantar. Ou, na pior das hipóteses, que esses animais sejam transferidos para alguma reserva ambiental apropriada, que lhes permita viverem em paz, com o simples direito natural e divino de continuarem existindo.