O novo regionalismo
Por Bráulio Tavares Em: 02/01/2011, às 11H34
[Bráulio Tavares]
(Árido Movie)
Fala-se numa crise do regionalismo literário nordestino, como se nas últimas décadas não tivesse aparecido nenhum autor capaz de se comparar com José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos, José Américo de Almeida, Rachel de Queiroz etc. A principal razão para isto é a de sempre: não aparece ninguém parecido porque todo mundo quer escrever parecido com eles, e eles não estavam querendo escrever como ninguém. Isto me lembra a frase de Robert Bresson: “Fulano quer imitar Napoleão e se esquece de que Napoleão não imitava ninguém”.
Um dos problemas do regionalismo literário é tentar obedecer em 2010 a uma temática e uma maneira de escrever que se consolidaram por volta de 1930 ou 1940. O maior símbolo disso é a presença recorrente, ainda hoje, dos “beatos e cangaceiros” como os dois grandes fenômenos de massa do Nordeste. Ora, hoje não existem mais beatos e cangaceiros: existem evangélicos e traficantes de drogas. Esta é a realidade do Nordeste de hoje. Essa mudança histórica não invalida a qualidade de, por exemplo, um filme regionalista como Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas para se saber do Nordeste de hoje é melhor assistir Árido Movie de Lírio Ferreira, que fala numa seita mística baseada na adoração da água e numa fazenda que substituiu o plantio do algodão pelo da maconha. É mais parecido com hoje-em-dia.
O Nordeste de hoje é isto. O que Graciliano & Cia. escreveram continua valendo como documento histórico e como obra literária de valor permanente, mas para fazer um livro sobre retirantes famintos à altura de Vidas Secas precisa ser mais escritor do que Graciliano foi, porque a comparação é hoje inevitável. Por outro lado, o primeiro sujeito talentoso que escrever um grande romance sobre a praga do crack na Zona da Mata não vai ter concorrentes ilustres com quem ser comparado, porque esse romance não existe.
Um caminho interessante que se abre para o regionalismo nordestino é a exploração de elementos místicos e futuristas, recriando um Nordeste diferente dos clichês habituais. Vejo isto em livros como Pequenas Catástrofes do potiguar Pablo Capistrano, da releitura bíblica de W. J. Solha em Relato de Prócula, do visionarismo futurista do cearense Carlos Emílio Corrêa Lima em Ofos e muitos outros que certamente não conheço. O Nordeste de hoje conserva elementos do Nordeste de Zé Lins, Rachel & Cia., mas superpostos a eles estão novos elementos temáticos que só muito lentamente estão sendo incorporados.
Por que? Acho que é porque o escritor nordestino (a começar por mim mesmo) não conhece o Nordeste. Vive num apartamento, indo de carro para o trabalho, fazendo compras no shopping e de noite lendo romances regionalistas de 50 anos atrás. Conhece o Nordeste através dos livros, e não das BRs. Se pegasse uma mochila e passasse seis meses viajando de ônibus pelo interior, se hospedando em dormitórios e comendo prato-feito, voltaria para cada com doze romances prontos para serem escritos.