Miguel Carqueija

  

         — Escute, Fábio. Vou lhe dizer pela 56ª vez que...

         — O.K., Adriano. Olhe, vou lhe explicar claramente: o chefão — eu disse O CHEFÃO — disse que a novela tem que ser alterada, portanto ela terá que ser alterada.

         — Mas ele está exigido demais.

         — Que nada, homem! Olhe, quer ver só? Ele me deu tudo por escrito...

         Adriano esperou, segurando o fone. O outro logo retornou:

         — Pronto, amizade. Olhe, veja bem qual é o problema: no momento a novela está assim: Rosemary ama Augusto, mas está noiva de Fabrício; ao mesmo tempo é amada por Júlio, o sujeito que está sendo processado pelo Leonardo. Enquanto isso o Professor Gusmão continua recebendo cartas anônimas acusando Lourdes de ligação com Alfredo e a Miriam ainda está investigando para descobrir quem é a sua mãe; os pais da Arlete não querem que ela namore com o Tito porque ele é pobre, mas ele está tentando arranjar um emprego melhor com a ajuda do Péricles. O Jaime está doente e o Nélson disse que dessa vez vai se vingar do Amaral, enquanto a Sônia continua falando mal da Aretuza e a Marília descobre que se apaixonou pelo Teotônio. Ora bem, Adriano. O chefe manda dizer que essa história está muito simples e que é preciso complicar um pouco mais. Além disso aquele ator, o Francisco Caroço, caiu tão bem no gosto do público que o personagem que ele interpreta, o Leonardo, tem que deixar de ser vilão e passar a ser herói. Veja se dá um jeito dele casar com a Rosemary. Outra coisa: arranje um personagem que venha “das sombras do passado” para fazer chantagem com o Péricles. Ah, sim: tire o Edgar da prisão, faça a Marília pensar que o Teotônio é casado e arranje um enfarte para o inspetor Morais. Até lá aguente a situação meio parada.  

         — Quanto tempo eu tenho para reescrever tudo isso?

         — Uma semana, dez dias no máximo. Acrescente mais uns dez ou quinze personagens, e tudo estará bem.

         Adriano pousou o fone e começou a procurar nas gavetas: onde é mesmo que tinha guardado a pistola?

         Súbito brilhou um clarão estranho a um canto da sala. Adriano pulou de susto. No meio de uma poeira luminosa, azul e rosa, materializou-se uma linda jovem, com asas diáfanas de louva-a-Deus, vestido branco e sapatos cor-de-rosa, segurando uma varinha de condão.

         — Não tema, Adriano. Eu sou a sua fada madrinha. Estou aqui porque você precisa de mim.

         — Puxa! A senhora chegou na hora certa! Eu já não sabia mais o que fazer.

         — Pois não precisa mais se preocupar. Uma volta com minha varinha, assim... algumas palavras mágicas (disse uma série de coisas que o outro não entendeu... e pronto! Já está tudo reescrito como o seu chefe quer!

         — Dona fada, eu não sei como lhe agradecer! Não sei nem como começar!

         — Ora, não precisa agradecer, Adriano. Fada madrinha é para isso. Agora... há mais alguma coisa que você precise?

         — Bem, sim, dona fada... será que a senhora pode dar um jeito para que a gente consiga fazer novelas de bom gosto?

          Ela fez um gesto de desalento.

         — Infelizmente, Adriano, isso é pedir demais!