Elmar Carvalho
 
 
 
 
Mais uma vez em pleno coração da caatinga campomaiorense. Mais uma vez em Corredores, um mundão d' água encravado na sequidão do semi-árido. Como venho fazendo nos últimos anos, em setembro ou outubro, vou passar um domingo no grande lago artificial de Corredores, produzido pela barragem do Jenipapo. Fui em companhia de meu irmão Antônio José e do amigo Zé Francisco Marques. Logo ao chegar, me deparei com um gigantesco pé de tamboril, que parecia um milagre no meio da paisagem ressequida, de arbustos esquálidos, de folhagem encardida, a contrastar com a paisagem sépia, em que repontavam muitos pedregulhos e piçarra.
 
À sombra do descomunal tamboril, as cabras magras, que pareciam egressas de algum poema de Dobal, pastavam placidamente o capim de onde o verde fugira, para dar espaço a um amarronzado, que praticamente se confundia com a cor da terra. Os caprinos pareciam comer o próprio chão da paisagem comburida. No entanto, pareciam fazê-lo sem desespero, sem maiores esforços, como se até houvesse certo contentamento nessa inglória degustação de ervas aparentemente insípidas e sem seiva, que lhes pudessem dar sustança e energia. Por entre o verde vivo e milagroso das folhas do tamboril, surgiam pontos negros; eram urubus, ainda talvez na modorra do final da manhã domingueira. Pareciam grandes frutos negros, porém frutos negros que depois saíram a voar e a bailar, planando sobre a caatinga e sobre as águas do lago.
 
Desde minha infância admiro o voo desses vivos e negros aeroplanos. Minha mãe me ensinou a enxergar a beleza do balé dos urubus. Sempre lhes admirei a elegância, quando ganham altura e planam, projetando-se contra o azul do céu ou o branco das nuvens, em atraente contraste. Não produzem lixos nem sujeiras. Ao contrário, limpam as sujeiras que o mundo produz. Por isso, os chamo de garis alados da limpeza. Pretos como um chico preto, não cantam; nem encantam pela plumagem, como um pavão. Entretanto, são belos em seu voo, e são úteis em sua faina de limparem as sujeiras orgânicas e podres do mundo. Quando no solo, o urubu tem um andar gingado, cheio de catimba, o que levou um compositor a produzir a música que o chama, em clamorosa injustiça, de malandro. Por todas essas virtudes e qualidades, foi transformado em símbolo e mascote do glorioso Flamengo.
 
Quando já estávamos no alpendre da casa que nos abrigava, construída na encosta elevada do morro que circunda o lago, vimos vários urubus a executarem deslumbrantes evoluções, misto de dança e acrobacia aérea. A canícula sertaneja, como um sopro cálido, nos afagava a pele, quando uma dessas aves, se destacando do bando, como se soubesse de nossa admiração, apreço e aplauso silencioso, veio produzir seu acrobático e aéreo bailado solo bem perto da varanda de onde a contemplávamos, até desferir um rasante sobre o telhado, para depois subir e se perder nas alturas, até encontrar, quem sabe, seu verdadeiro ninho nas gazas lácteas das nuvens.