O mundo está entupido de livros (artigo ligeiramente)  atualizado)

                                                                        Cunha e Silva Filho

Estou amedrontado. Ao contrário do que proclamava Castro Alves (1847-1871) com o seu desejo  de semeadura de  “livros às mancheias”, diria melhor que diminuíssemos o  ritmo vertiginoso  de tantos livros. Que fizéssemos uma moratória: “A partir de tal dia, no mundo inteiro, não se vai publicar um só livro, ainda  que seja uma obra-prima.”

 Demos uma trégua,  demos um tempo para  podermos respirar. Livros, livros, livros, amontoando-se uns sobre os outros, numa vertigem hitchockiana, num rodopio frenético,  imagem  de mil tentáculos tentando agarrar-nos à força, ou implorar-nos que os leiamos a fórceps. Livros de todas as qualidades e ao mesmo tempo  de mínimas qualidades,  em todas as áreas, em todos os gêneros, em quase todas as línguas conhecidas, no original, traduzidas, ou pouco conhecidas,de todos os tipos e para todos os gostos, todas as fantasias,  todos os caprichos, para todas as idades.

Pouco importa: livros, livros, livros a não acabar mais. E, ante tudo isso, me vejo  sobressaltado: onde estão os leitores? Onde o dinheiro pra comprá-los, ou para  publicá-los, ou para vendê-los, ou as pessoas  para doá-los já que é tão difícil   administrar tudo isso? Até   bibliotecas   de  universidades  públicas  não estão  querendo mais  doações de  inteiras  bibvliotecas de  autores  de diveros gêneros. Meu Deus,  até que  ponto  chegamos  quando , em locus  mais do que   próprio,  os doadores   recebem  um  “redondo” “não,” (“terrível  palavra  é um  não,”  diria  o  exímio orador sacro,   o Pe. Antônio Vieira em célebre sermão) e alegam  que  não mais dispõem de espaço  físico, deixando os doadores   boquiabertos e desesperados  diante  de tal    situação   impensável  em tempos   “idos  e vividos”.

Me  lembro de que  há pouco  tempo, numa entrevista repetida depois de seu falecimento, o  jornalista e respeitado  cronista esportivo Armando Nogueira,  em auto-ironia, afirmava que tinha escrito dez livros, mas  se definia como um “campeão de encalhe”.

Não é uma brincadeira minha, mas o mundo  está saturado de livros. Vejam-se  os sebos virtuais nos quais os livros se contam já em milhões. Quem irá ler todo esse  mega-acervo? A humanidade está mesmo afundada em livros: velhos,  novos,  baratos, caros, caríssimos, livros raros,  livros de artes, incunábulos.  O homem contemporâneo tem uma batalha a vencer;  a de  formular estratégias daquilo que  pode  ler ou de quanto pode  ler, que é uma questão  complicadíssima.

 Como atravessar a vida curta com tantos livros interessantes  que não poderiam  deixar de ler? Talvez  o computador nos ajudasse nessa tarefa de opções certas  e imperdíveis.   E não estamos falando ainda dos e-books, que  já começam a se propagar no mundo editorial, já ganhando aficionados.. A verdade é que a quantidade incalculável de livros está aí dando mais trabalho a nós contemporâneos.

 Os e-books terão uma função  imprescindível no futuro: eles  resolverão o problema do espaço do livro escrito., de vez que as bibliotecas no futuro não darão  vazão aos milhões de livros  impressos, ocupando  gigantescos espaços em todo o mundo, ainda que bibliotecas sejam  geograficamente bem distribuídas entre os continentes. E tomem-se lançamentos. Qual é a sua profissão? Escritor  - palavra que ecoa em milhares de bocas alegres ou tristes, a depender de serem sucessos ou fracassos de  vendas.  Os Estados Unidos me dão a impressão de que qualquer fato ou acontecimento  que chamem a atenção da mídia  pode dar  motivo para a publicação de um livro. Tudo é razão para “vou contar minha história. ”E haja biografias! Onde estão os leitores? Agora mesmo,  o  príncipe  Harrry  publicou  uma autobiografia  que está vendendo  como água  na Inglaterra, ou sejam   uma novo  livro que vai na contramão do cerne deste artigo.

Além dos livros,  ainda contamos com  um outro espaço, o virtual, distribuído em  milhares de blogs, sites, portais espalhados pelos quatro cantos do Planeta, todos pensando que serão lidos e comentados. E por falar em comentários, que é uma seção levada em alta  consideração  na estrutura   dos blogs ou sites, a experiência tem  mostrado o quanto vazios em geral  permanecem, levando os pobres blogueiros a  pensarem mal  de seus  próprios escritos. Ou a pensarem, como lembrou um  escritor,  que na verdade só escrevemos nos blogs para nós mesmos.

Por que não  eliminar   do formato dos blogs esses pequenos espaços  para comentários? Claro que são  uma  espécie de termômetro que medem o nível de interesse de supostos leitores. A invenção deles é bem provável que  veio da terra do Tio Sam – país tão  chegado às estatísticas,  às pesquisas, aos feedbacks.

Ainda prefiro que os blogs sejam como jornais que, obrigatoriamente, não  incluem,  ao final das colunas, um espaço para os comentários. Os leitores simplesmente leem , gostam ou não gostam e até podem, na seção “Carta do leitor,”  incensar ou  desancar o articulista da coluna, sendo que, no segundo  caso, podem ainda  usar de uma réplica, caso sejam ofendidos pelo eventual leitor.

Nada, contudo, podemos fazer para sustar por um período  a avalanche de livros  que semanalmente são lançados no mercado, para a alegria efêmera de seus autores ou para o estrondoso sucesso de outros autores. Não podemos  também  deixar escapar o nosso desapontamento que, de resto, pode ser de muita gente que escreve, que é o de  sentir-se impotente de não  poder jamais  ler todos os livros  da nossa escolha, todos os  autores  de que gostamos,  nos vários gêneros   literários ou em outras  áreas do conhecimento humano. Mesmo que  iniciássemos a leitura em mui tenra idade,  ser-nos-ia impraticável  fruir  o prazer da leitura dos melhores livros do mundo. Chega um tempo em  que  o leitor   de literatura e de  outros   gêneros    há de se consolar na sua abissal  tristeza   e impotência: “Não hei  de ler mais  o que desejava  quando jovem. O tempo  é célere e  não tem  misericórdia de  nós. Neste  caso,  só nos resta  uma alternativa: selecionar, entre tantas e tantas  obras-valiosíssimas  e eternas    os grandes  livros  nos campos diversos  do conhecimento   humano. Ainda assim,  quão difícil ser-nos-á esta tarefa hercúlea, praticamente   impossível.

Enquanto isso,  pelo mundo afora,  os livros estão saindo dos prelos,  invadindo as livrarias e aguardando que um leitor os descubra ou os deixe  entregues  ao esquecimento – destino que nenhum livro, por pior que seja, merece ter. Ó impiedoso leitor, contraditório em tantas coisas e mais ainda  nas opções de leituras, tende piedade dos autores.