O mundo em que vivemos
Por Bráulio Tavares Em: 05/09/2010, às 19H40
[Bráulio Tavares]
Ariano Suassuna conta que, quando era menino em Taperoá, não perdia um circo que passasse pela cidade; entre outras coisas, porque tinha peça de teatro. A maioria das peças eram bem amadorísticas. E ele lembra de uma que se passava nos tempos dos cavaleiros de Carlos Magno e dos Doze Pares de França. A certa altura da batalha, um nobre de armadura erguia a espada e dizia algo como; “Temos que morrer com honra! Nós, cavaleiros medievais...” E Ariano pergunta, embasbacado: “Oi, e o cara sabia que era medieval? Ele sabia que aquele tempo dele era a Idade Média?”
Corta para Jorge Luís Borges, dialogando com um entrevistador sobre um romance qualquer, no qual se questiona: aquilo podia acontecer, de verdade? É uma história fantástica? É uma história realista? Borges dá um suspiro septuagenário e encerra a discussão: “A verdade é que ainda não sabemos se o Universo pertence ao gênero realista ou ao gênero fantástico”.
Estes dois pequenos episódios mostram a nossa mania de superpor palavras ao mundo de verdade e ficar achando que o mundo obedece a essas palavras. “Idade Média” é um nome que inventamos para uma época. Mesmo sendo mais específicos – digamos: “o ano 1327” – ainda assim isto não quer dizer nada, até porque no calendário judeu ou chinês o ano era outro. Numeramos os anos e intitulamos as épocas para comodidade nossa, porque sabemos que certos fatos ocorreram (a morte de Cristo, a batalha de Waterloo, o descobrimento do Brasil) e precisamos definir um “quando”. Mas juridicamente falando Cristo não morreu no ano 33 d.C. ou coisa parecida, porque essa nomenclatura é nossa, não era usada na sua época. É uma data inventada, artificial, atribuía “a posteriori”. O mesmo quanto ao conceito de “Idade Média”. Talvez no futuro “Idade Média” seja a nossa. Me lembra a história de Kurt Vonnegut Jr., do sujeito que chega ao futuro remotíssimo, consulta uma enciclopédia e lê algo como: “Depois da morte do profeta Jesus Cristo, seguiu-se um período intermediário de um milhão de anos em que nada importante aconteceu”. As abstrações que usamos só funcionam dentro da nossa mente. Não têm existência física.
Qualquer conceito generalizado tem as mesmas limitações. “Os brasileiros são alegres e gostam de música.” Isto é verdadeiro ou falso? Pode até refletir uma tendência estatística, ou um traço cultural que alguém pode confirmar viajando pelo país. Mas mesmo os brasileiros alegres não são alegres o dia inteiro, e não gostam de ouvir música o dia inteiro, ou não gostam de qualquer música (nem todo brasileiro que gosta de música gosta de Debussy, ou de Daniela Mercury, ou do Pato Fu, etc.). Infelizmente, temos que generalizar o tempo inteiro, e toda generalização desbasta as características individuais dos incluídos. Toda generalização é empobrecedora (inclusive esta). Nós as usamos como quem usa um pote imaginário para guardar água verdadeira.