O morro da casa-grande
Em: 06/01/2010, às 21H52
Carlos Said
Jornalista e Professor
O livro “O Morro da Casa-Grande” é o referencial estupendo do professor e escritor Dilson Lages Monteiro (Barras, Piauí, 1973). Os contornos de historiador conferem ao jovem defensor do patrimônio cultural da terra de nascença aquela benemerência pela qual se constata que não esqueceremos a identidade dos personagens que, viajando pelos caminhos e veredas, com as suas distâncias, protagonizam a ambiência do lugar: “o Morro da Casa-Grande”.
São verdades da sobrevivência dessas personalidades, cada uma atrelada às nuanças da Natureza, pulsando crenças, fortalecendo a religiosidade, exibindo costumes, infância se confundindo com a velhice, conforme experiências de vida rural. E nessa dissertação formidável, Dilson Lages Monteiro, tanto quanto religioso, tornou mais sólida a sua devoção com o acrescentamento do fato histórico envolvendo a demolição da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã, episódio de 1963 . Acreditamos que ele, coração apertado pelo debulhar de suas lágrimas, fez do livro monumento literário piauiense.
O escritor e poeta Francisco Miguel de Moura (Jenipapeiro, hoje Francisco Santos, Picos, Piauí, 1933), impressiona pela qualidade do trabalho até aqui aplicado sob severa presença dos analistas literários. Justifica, assim, a sua fortuna crítica (bom acolhimento a um patrimônio cultural), em livro que é o demonstrativo épico de sua vida dedicada às letras piauienses. Em versos, Chico Miguel (como é conhecido carinhosamente) explicou com sensatez:
“Nada é por acaso,/ Nem a vida, nem a nossa/ Vida e muito menos a/ Sua, tudo é obra de/ Deus”.
Do passado, eis que surge Jônathas Baptista (Natal, hoje Monsenhor Gil, Piauí, 1885-São Paulo, São Paulo, 1935). No soneto “Alma sem Rumo”, a sensibilidade do poeta ao comparar o trabalho de uma aranha à lavra poética: “O poeta, em fios de ouro, as malhas urde e tece.../ No labor que o fascina, a própria mágoa esquece/ E, apenas, a sorrir, moscas de luz apanha...”
O fantástico José Félix Alves Pacheco (Teresina, Piauí, 1879-Rio de Janeiro, 1935), político, poeta e jornalista, alcançou a senatória da República. Pela intensidade de sua formidável inteligência, atingiu o posto de ministro das Relações Exteriores. O toque mágico do amor pela sedutora mulher nunca por ele abraçada, levou Félix Pacheco ao arrebatamento íntimo. “E é sempre assim que te amo!/ E vives, em meu poema,/ Como um facho de luz, que a todo instante assoma,/ Na eterna irradiação da beleza suprema!”
O genial Clodoaldo Severo Conrado Freitas (Oeiras, Piauí, 1955-Teresina, Piauí, 1924), cantou o Canindé, afluente do rio Parnaíba e caminho histórico da penetração do bandeirante Domingos Afonso Mafrense (Mafra, Portugal, 1640- Salvador, Bahia, 1711): “Nilo do meu sertão, caudal formoso/ Quando o inverno feliz o solo rega/ Do remanso minas na crista estuosa/ “A formar, no verão, poços piscosos/ E vazantes ferais na branca areia,/ Onde em viço o formal verde coleia/ O gado pasta em bando numeroso.../ “Foste o primeiro marco atravessado/ Pelo valente bandeirante ousado/ Quando ao índio feroz fazia guerra!/ “Rio do carnaubal e da jandaia,/ Onde a pomba de bando o vão espraia,/ Nas caatingas em flor da minha terra!” Bom reparar que Clodoaldo Freitas comparou o Canindé ao Nilo, o portentoso rio da civilização egípcia dos enigmáticos faraós.
Nascido em Oeiras, Piauí, 1907, falecido no Rio de Janeiro, 1992, Antônio Bugyja Britto exaltou o Gurguéia. Abarcou com lirismo as águas do rio, comparando-as ao destino do homem que é a morte. “Rasgando o coração de florestas sombrias,/ Desce o rio a cantar saudosas elegias.../ “Este caminha para a morte, onde se fina,/ Enquanto ele no mar, seu túmulo termina...”