O mordomo, o salário e o senador
Por Cunha e Silva Filho Em: 13/07/2013, às 18H04
Cunha e Silva Filho
Eu me pergunto: será que um país assim tem conserto? Creio que não. Quantos anos, ou mesmo um século, serão necessários para que um político brasileiro possa ser levado a sério? A curto e médio prazos, não há vislumbre de que alguma coisa boa surja da vida política nacional.
Não há manifestação nas praças, nas avenidas, nos morros, no planalto, na planície, no mar, no ar, na terra que consiga reformar a ética e a prepotência de quem foi eleito pelo povo e praticamente nada tenha feito à sociedade. Mesmo quando saem de cena, os políticos brasileiros deixam seus rebentos incrustados nos feudos palacianos, dando continuidade à fanfarra das mordomias, das manobras, das tergiversações, das falcatruas praticada contra o Erário Público.
Ainda este ano saiu uma notícia no jornal O Globo informando ao leitor que o atual Presidente do Senado, figura da política nacional por demais respeitada desde os tempos do governo Collor e das rocambolecas histórias amorosas, além de outras implicações de conduta no bolo do escândalo do Mensalão, prodigaliza a um mordomo um salário faraônico de dezoito mil reais, quando um médico, um professor com mestrado e doutorado nem sonham em terem tamanho salário e o salário mínimo do povão e os proventos dos aposentados do INSS estão sempre aquém de um patamar de uma vida digna.
Ora, para dar esse salário a um mordomo seria preciso que este entendesse do riscado, fosse fluente pelo menos em duas línguas modernas, tivesse domínio dos protocolos sociais, fosse discreto, observador, fiel, amigo da família, e familiarizado com todas as etiquetas aristocráticas daqueles velhos mordomos da aristocracia inglesa. Um completo butler, em suma..
Este mesmo senador é aquele que há poucos dias viajou com amigos num avião da FAB para comparecer a um casamento ou coisa parecida. O Brasil é uma República ou pensa ainda que esteja nos tempos dos nobres do primeiro e segundo impérios ?
Este ex-Ministro da Justiça semelha ter saído das páginas da ficção dos bruzundangas limabarretianos. Não me parece uma pessoa física, com nome em cartório de registro. Para sustentar um mordomo deste tipo, é mister que o senador ganhe rios de dinheiro, sendo que, no caso dele, o dinheiro escorre com facilidade dos cofres públicos...
Por que estou implicando com o salário de um simples mordomo de um palaciano? Simplesmente porque, ao conceder um salário nesta proporção, o senador brasileiro dá um exemplo inconteste de quanto está distante do interesse que revela ter pela coletividade, sabendo ele que o brasileiro, em várias profissões, é mal remunerado, pouco valorizado, a quem faltam hospitais, segurança, educação de qualidade e transporte de massa à altura do gigantesco número de usuários principalmente nas grandes cidades brasileira.
O país se revela por metonímia. Para entender o todo, cumpre atentar para a parte e é por esta que chegamos às entranhas do todo. O exemplo do mordomo é aquela parte do iceberg, cujo tamanho se esconde até o fundo do mar (de lama, bem entendido). Juntadas as partes, atingiremos o todo que nos oferece uma triste fisionomia.
São as partes que devemos examinar com cuidado e com profundidade e, ao alcançarmos o fundo do mar, perceberemos quão imoral, injusto, defeituoso se nos apresenta. É do fundo do mar que veremos, transparente, todos os “malfeitos” (do jargão da Presidenta Dilma) da nação, o lodo, a sujeira, os escolhos, o lixo chafurdando no lamaçal de ausência de ética, falta de vontade política, protelações para que mudanças substanciais nunca ocorram e deixem tudo como está visto que a memória do povo é curta e poderá ser presa de sucessivas péssimas escolhas de novos candidatos que, em eleições futuras, comporão a política do país.
O que não pode é mudar para melhor a vida do brasileiro. Por isso, a reforma política, tanto quanto possível, será adiada e, caso não o fosse, como a realizaríamos com o conjunto de políticos de fancaria de que, em geral, dispomos na Câmara e no Senado? Se questões de grande urgência não serão tão cedo discutidas para aprovação, como a reforma e atualização do Código Penal, por exemplo, assim como leis que venham beneficiar os quatro setores da vida nacional (saúde, segurança, educação e transporte ) que exigem dos governos federal, estadual e municipal soluções urgentíssimas.
Um país tal qual o nosso, que tem uma sociedade bastante dividida socialmente - classe miserável, classe média, classe burguesa, elite econômica – não terá nunca força suficiente para se unir e ser solidária entre si. Se os restaurantes de alto luxo estão cheios, e cheios estão os shopping centers, e o consumismo dos que têm poder de compra continua rolando solto, quando é que encontraremos um ponto certo para fazermos valer nossas reivindicações? A divisão de classes e de níveis culturais faz a felicidade da politicalha e, por tabela, é um porto seguro para a continuidade e inalterabilidade do status quo vigente. Ó bendita divisão de classes, deleite dos que implantaram o cinismo e a falta de vergonha como a melhor forma de governança dos tempos contemporâneos!