O Modernismo Brasileiro

 

Elmar Carvalho

 

Durante dez décadas vem se propalando no Brasil a ideia de que o Modernismo foi deflagrado no Brasil pela Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Não é bem a verdade ou não é a verdade em sua inteireza.

Não poderia uma semana, que na verdade sequer foi uma semana, de palestras e manifestações artísticas e literárias ter esse condão, ter esse poder, sobretudo num país da dimensão do nosso e com tanta diversidade.

Alguns bisonhos acham que a Semana foi como uma chave que ligou a energia e a luz do Modernismo, que se espalhou incontinenti por todo o território brasileiro, como um imenso e milagroso FIAT LUX bíblico. Faça-se a luz, e a luz modernista se fez, instantaneamente. Não, não foi assim ou pelo menos não foi bem assim.

Para início de conversa, devemos observar que as escolas e movimentos literários, com os seus próceres e mestres contribuíram para a nossa Literatura chegar ao patamar onde chegou. Há que se atentar para as contribuições do Romantismo, do Parnasianismo, do Realismo e do Simbolismo, cada um com as suas peculiaridades e características mais marcantes, com os seus expoentes como José de Alencar, Gonçalves Dias e Castro Alves; Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac; Machado de Assis, Raul Pompeia e Lima Barreto; e Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens e o nosso Da Costa e Silva.

Não se pode esquecer de certos precursores, penumbristas e experimentalistas, que podem delimitar os antecedentes de nosso Modernismo, e entre os seus praticantes poderia citar Manuel Bandeira, Da Costa e Silva (em certos poemas de feição modernista), Murilo Araújo, Augusto dos Anjos, Hermes Fontes e Duque Costa, numa enumeração meramente exemplificativa, e não exaustiva.

O poeta Ledo Ivo, no artigo “Os modernismos do século XX”, publicado na Revista Presença, ano XIX, nº 32, 2º semestre/2004, preleciona: “Seria impostura admitir a versão de que todos os processos estéticos vigentes no Brasil decorrem daquela Semana de Arte Moderna financiada pela alta burguesia cafeeira paulista e dos Prados e Penteados, e apoiada por Washington Luís, então presidente de São Paulo. E só uma visão bisonha do fenômeno artístico se afeiçoaria ao juízo de que Brecheret é mais brasileiro do que o Aleijadinho, Tarsila mais revolucionária do que Eliseu Visconti, ou Mário de Andrade mais moderno do que Machado de Assis.”

Por outro lado, a eclosão de vários “ismos” europeus, com suas variadas manifestações, postulados, profissão de fé e características, entre os quais o futurismo de Marinetti, e, mais ligada a nós, a poesia moderna portuguesa de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros, José Régio etc., que chegaram ao Brasil por diferentes vetores, também se espalharam em vários nichos do país, em que tomaram diferentes texturas e colorações.

Por exemplo, o romance de 30 pouco ou nada tem a ver com o Modernismo de São Paulo. O mesmo se pode dizer da geração de 45, com seu formalismo e característica própria. A literatura moderna feita no Rio de Janeiro também tinha as suas nuanças e história próprias. O modernismo no Recife, inclusive com as novas fórmulas e ideias preconizadas por Gilberto Freyre e outros, nada deveu ao modernismo paulista.

E isso ocorreu em outros rincões, que aqui poderia citar, mas não o farei. Poderia referir, para exemplificar, o Grupo do Estrela de Belo Horizonte e o Grupo Verde de Cataguases, em Minas Gerais, ou a Padaria Espiritual no Ceará, surgida ainda no final do século XIX, que apresentava características do Modernismo. Por essas três agremiações literárias foram publicados os periódicos A Revista, a Revista Verde e o jornal O Pão, respectivamente.  Mas não o farei, repito.

Assim, o Modernismo no Brasil não foi um simples Big Bang ou “fiat lux” do Modernismo de São Paulo; foi uma consequência e contribuição de vários “ismos” e das peculiaridades e características dos diferentes regionalismos do Brasil, bem como do talento de vários artistas nascidos e/ou vivendo nessas diferentes regiões.