O menino Alberto da Costa e Silva e as coisas simples e tristes
Em: 18/04/2020, às 21H40
Por Diego Mendes Sousa*
O toque plangente e sublime da poesia de Alberto da Costa e Silva (1931-) carrega serenidade e densidade lírica. Poeta completo e profundo, detentor de preciosa linguagem e linhagem, sendo filho do glorioso poeta simbolista e piauiense, Da Costa e Silva, este, autor do soneto Saudade, uma obra-prima da poética brasileira e sempre memorável para mim:
Saudade! Asa de dor do Pensamento!
Gemidos vãos de canaviais ao vento…
As mortalhas de névoa sobre a serra…
O paulista Alberto da Costa e Silva desliza o seu canto de tristeza sobre o olhar lívido e cruel do tempo. Seus poemas são consoadas elegíacas avassaladoras. Atinge-me pelo lamento em “As cousas simples”: Também em ti chora um infante. / Ausculta o teu coração e sentirás o seu pranto, / saudoso da ramaria, do sol e dos muares.
Existe uma sutilidade anímica nos seus versos, que são inalcançáveis. É como se o instante parasse e as imagens da infância voltassem universais a embalar os signos misteriosos do menino etéreo. Nunca senti alguém rememorar tão bem as sensações da orfandade e da inocência, como Alberto da Costa e Silva. É tudo mágico e dolorosamente real: Ah, menino, protege / o teu padrinho triste, // enterrado no chão / de um outro peito, triste // como um boi a mugir / e o focinho de um cão.
Identifico-me com as linhas sensíveis e aturdidas do poeta. Suas mãos cavam o desejo perene de um regresso ao passado, em ronda perdida sob o pantempo da vida. Sua viagem tormentosa empreende emoções de altaneira fortaleza. É de um alento humanístico estes versos: Proust, repercute em mim / toda a tua agonia, companheiro. / Deixa, Marcel, que recolha tua tristeza, / como lágrimas num lenço, / do tumulto das páginas de teus livros, / e / grave na minha boca / o sentido mais oculto de tuas palavras.
As palavras de Alberto da Costa e Silva são infalíveis. Há nelas o poder dos ritos sagrados, que correm ao encontro da mansidão e dos girassóis, também de uma liturgia miraculosa, que traz os metais e as fuligens do que transpassou na existência: Ouçamos o fluir deste curso de rio / entre velhos muros imóveis de fadiga / não apenas meras lajes limitadas e cinzentas / mas pedras tristes e calmas / entre as quais escorre o límpido silêncio / da água que flui sobre a nudez / pura da morte.
O amor é outra bela tônica na poesia de Alberto da Costa e Silva. Seu fascínio pela mulher amada, a sua Vera, é de um encantamento estonteante. Poesia da verdade, dos magistrais sonetos. Dizer jamais de nós / senão o certo: / o céu, / e o campo aberto.
Poemas Reunidos (Nova Fronteira, 2.ed., 2012), com apresentação do notável crítico literário Antonio Carlos Secchin, concentra as produções anteriores de Alberto da Costa e Silva, ele que se viu poeta desde a meninice e cuja estreia em livro deu-se em 1953, aos vinte e dois anos de idade, com a obra O parque e outros poemas e, ao longo dos anos, foi a construir uma sólida poética, com as edições hoje raras, em pequenas tiragens, de O tecelão (1962), Alberto da Costa e Silva carda, fia, doba e tece (1962), Livro de linhagem (1966), As linhas das mãos (1978), A roupa no estendal, o muro, os pombos (1981) e Consoada (1993). Além de Ao lado de Vera (1997), que foi distinguida com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
Alberto da Costa e Silva ensina-me que a leveza ainda sobrevive no coração do homem. A solidão, o desassombro e o arrebatamento das coisas ocultas na memória são a morada e o corcel dos sentidos esvaziados e das percepções silenciosas, colhidos nos poemas da alma lúcida, desse bardo formidável: (No menino, ao portão, / as sombras ardem/ de sol e enxaqueca.).
Vocação que voa atrás de tudo o que pode ser eterno e efêmero: o menino, o pai, a tristeza, a memória, o passado, o amor e a saudade.
*Diego Mendes Sousa é poeta piauiense. Relê a poesia de Alberto da Costa e Silva com contumácia, por se reconhecer nela.
A NÊNIA DE ALBERTO DA COSTA E SILVA SELECIONADA POR DIEGO MENDES SOUSA
Elegia
Sofrer esta infância, esta morte, este início.
Vigília
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Hoje: gaiola sem paisagem
Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora, menino. |
Murmúrio
Meu pai, deixaste |
Murmúrio
Vou pedir a meu pai |
Aparição em Fortaleza
Ruas e sombras de Fortaleza, meninas doces, Roteiros de bicicletas pela Praça do Carmo,
Cidade de meu pai enfermo. Minha cidade.
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Soneto a Vera
Na relva iluminada pelos pássaros,
reclinas o teu corpo. Separada
dos dois lados da noite, quando o sol
recolhe ou desenrola as suas velas,
do touro ao meio-dia, e das fases
da lua, e do que muda e se disfarça,
e da grama e das aves que ali pastam,
respiras, te espreguiças, alinhavas
o teu ser contra o céu, enquanto passam
o chuviscar, o abrir do sol, os galgos
do verão e do inverno, as estações
da manga e do caju. E vais, deitada,
como um barco na praia, alheia ao tempo
a se bordar no bastidor da tarde.