[Flávio Bittencourt]

O melhor conto de Nita Casares

Nita Casares é pseudônimo de uma escritora no portal Desafios dos Escritores.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(http://contosencantar.blogspot.com.br/2010_11_01_archive.html) 

 

 

 

 

 

 

"NITA CASARES (pseudônimo) - como a seguir se poderá conferir -

PARTICIPOU BRILHANTEMENTE DE UM CERTAME PROMOVIDO

PELO Núcleo de Literatura do Espaço Cultural da

Câmara dos Deputados"

 

(C R...)

 
 

 

                                                PARABÉNS, NITA CASARES!

 

 

 

 

31.1.2013 - O melhor conto de Nita Casares  -  "Sem cabeça, sem coroa!"  F. A. L. B

 

 

"Sem cabeça, sem coroa!

 

PSEUDÔNIMO: NITA CASARES    

 

 

          Soren, o médico feiticeiro, entrou às pressas nos aposentos reais e, pelos gritos e sapateados que balançavam as estruturas do castelo, ele já sabia que teria que dar cabo de mais um chilique histérico/histórico do rei Cutberto. Dito e feito, a Sua Alteza estava de pé sobre uma pequena mesa, ameaçando se jogar no chão. Apesar do alarme estampado nas caras dos três criados perfilados e do pânico que fazia a cabeleira do seu fiel mordomo, Klaus, eclipsar as luzes de todas as velas acesas, ele foi duro ao falar com o rei:

 

          — Temo que ao cair de tão estonteante altura, Vossa Majestade possa ferir seriamente o orgulho e o severo código das leis reais que proíbe terminantemente um rei de tentar se matar e não conseguir.

 

          — Guardas! Guardas! Cortem a cabeça desse charlatão petulante! — Esbravejou o rei.

 

          — Oh, por favor, majestade, vamos pular essa parte do espetáculo porque nós dois sabemos que não vai acontecer isso. Hoje eu não estou a fim de fingir que sou humilde e muito menos de perder meu precioso tempo de sono em uma encenação que, pelos meus cálculos, nós estamos fazendo há uns setenta e cinco anos.

 

          — Feiticeiro insolente! — Bradou um rei gasguita.

 

          — Vou embora! — Retrucou um Soren ameaçador.

 

          — Está certo. Saiam todos! Meu castigo será dado depois que ele me medicar!

 

          Todos saíram de fininho e o mordomo fechou a porta. O rei olhou mal-humorado para o médico:

 

          — O que vão pensar meus escravos de um rei que não pune adequadamente uma ousadia como a sua? Vou ficar desmoralizado! — Disse isso enquanto fazia um gesto para seu mordomo sair do quarto também. Não queria ficar mais por baixo ainda quando Soren lhe desse uma lição de moral ou fosse três vezes mais rude do que havia sido na frente de todos. Mas o médico mal esperou que a porta fosse fechada:

 

          — Pelas nove valquírias de Odim, o que aconteceu dessa vez?

 

          “Está visivelmente possuído por Loki”, pensou o rei.

 

          — Muito bem, em parte você tem razão, aconteceu a mesma coisa de sempre; eu me desconcentrei, de novo, na reunião com os nobres! Acabei concordando com coisas que eu não queria concordar. Aí, depois que todos aqueles marqueses, duques, condes e viscondes foram embora, eu fiquei me perguntando por que aceitei aquilo, por que não vetei aquilo outro, por que não mandei para o calabouço o fulano e por que não enchi de porrada o sicrano?! Pronto! Você já sabia muito bem. — O rei apoiou o rosto nas mãos e deu um suspiro de resignação.

 

          “Está visivelmente derrotado”, pensou o feiticeiro.

 

          — Majestade, eu vou ser claro e preciso; pra começo de conversa, nós já estamos muito velhos. Eu não posso mais ser acordado no meio da noite e sair a galope para atender seus fricotes recorrentes. Nossa terra é muito, muito fria. Só para vestir os três pares de meias que são necessários para enfrentar essas noites geladas eu levo vinte minutos, porque demora muito para eu conseguir me abaixar e me erguer tantas vezes. Para montar no cavalo, então, é uma aventura, mas uma aventura sem nenhuma dignidade; os guardas que vão me buscar para fazer a escolta têm que ter muita noção de espaço e tempo que é para me lançarem no lugar certo e, mesmo assim, já fazem uns quinze anos que eles não acertam e eu venho, resignado, cavalgando de banda. Não ria, pois o senhor é ainda mais velho. Tão velho que, na verdade, poderia mesmo morrer se pulasse de mau jeito dessa mesinha. Então, hoje, eu vou apenas te dar uma nova poção que eu fiz e que vai fazer o senhor dormir profundamente até amanhã, ou, se Deus me ajudar, até depois de amanhã ou, se Deus quiser me fazer um agrado maior ainda, até a Primavera chegar. 

 

          O rei não conseguiu esconder sua decepção:

 

          — Só isso? Já que está aqui, por que você não me dá uma bronca, alguns conselhos, me põe pra cima, me dá um upgrade? 

 

          — PORQUE EU ME CANSEI DA SUA FALTA DE PERSONALIDADE! PORQUE O SENHOR JÁ DECLAROU TRÊS GUERRAS SEM QUERER, JÁ CASOU QUATRO VEZES SEM QUERER E TOMA CANJA TODA NOITE, MESMO DETESTANDO, SÓ PARA NÃO OFENDER O COZINHEIRO! E PORQUE EU ESTOU MAL HUMORADO, ESTOU NO LIMITE E ESTOU COM A MACACA!

 

          O rei bebeu a poção; “Sabia que ele estava possuído.”, Pensou vitorioso, antes de desabar na cama.

 

          Cutberto dormiu três dias. Não foi até a Primavera, mas até que deu para Soren descansar. Ao acordar, no meio da noite do terceiro dia, ele estava muito bem disposto e incrivelmente faminto: “Onde será que está aquele mordomo indolente? Sua obrigação era velar meu sono e me trazer comida assim que eu despertasse.” Pensou enquanto descia da cama. Esfomeado, gritou a plenos pulmões: 

 

          — Klaus! KLAUS!

 

          Por ter gritado, tossiu por cinco minutos. Melhor para o mordomo que, por falta de coragem do rei em gritar de novo, ao invés de berros vociferantes, ouviu um sussurro vindo de trás da porta do banheiro quando entrou apressado no quarto: 

 

          — Klaus, anda, preciso tomar banho e trocar de roupa! E estou faminto! Quero um jantar digno da minha nobreza!

 

          Mas foi nessa hora que o rei, virando-se para entregar as roupas sujas ao mordomo, deu um grito de horror pela visão inesperada: 

 

          — Oh, por Odim! Homem, você está nu!

 

          O mordomo fitou o rei demoradamente e disse com preocupação:

 

          — Não, majestade, o senhor está enganado, eu estou com minhas roupas! Olhe! Minhas calças, meu traje completo, meus sapatos, minhas luvas. Está tudo aqui!

 

          O rei, que mantinha os olhos afastados do mordomo, olhou de lado, protegido pela mão. Voltou a se virar indignado.

 

          — Você ficou louco, Klaus? Estou vendo que está nu! Vista imediatamente suas roupas ou fatiarei sua careca sem peruca em praça pública, porque só cortar sua cabeça é muito pouco pra tamanho desrespeito! O rei estava ruborizado de vergonha e cólera. 

 

          — Majestade, mil perdões, eu não sei o que dizer, mas a verdade é que eu estou vestido! Klaus não sabia direito como agir diante daquela manifestação de pânico exagerada. “Eu sabia que o final do rei seria a senilidade, mas achei que ele fosse “pular o Corguinho” em câmera lenta.” Ele pensou, debochado. 

 

          O rei não pôde mais suportar aquela situação e, ainda vestindo novamente suas roupas sujas, correu em direção ao imenso corredor do castelo e começou a gritar pelos guardas com medo de que o próximo passo do mordomo-louco-nu fosse esfaqueá-lo e roubar-lhe a coroa. (Não necessariamente nessa ordem) 

 

          — Guardas! Guardas! SOCORRO! SOCORRO!

 

          Quando ouviu vários passos se aproximando, ele resolveu virar-se para tentar se proteger de Klaus, caso seu receio se concretizasse. Só quando percebeu que um grupo de soldados e criados se aproximavam foi que ele se virou de novo. Mas o pobre Cutberto não estava preparado para o quadro que viu; todos estavam nus! 

 

          Cutberto desmaiou por três dias.  Ao acordar, no meio da noite do terceiro dia, ele estava muito mal disposto e incrivelmente deprimido. “Onde será que está aquele mordomo insolente e nu?” Mas estava sem vontade de gritar e, é claro, de ver o mordomo. Ouviu um barulho na cadeira ao lado da cama e ficou atento para ver se ouvia de novo. Dessa vez foi uma pequena tosse, que o fez estremecer. Foi virando aos poucos na cama, até que viu um vulto sentado na cadeira.

 

          — Quem está aí? Klaus, é você? — perguntou temeroso.

 

          — Não, sou eu majestade, Soren, seu médico.

 

          — Oh! Pelos quatro rios de leite da vaca Audumbla! Estou salvo! Soren, você viu a afronta que os súditos me fizeram? Todos nus! Todos deliberadamente nus para me mostrarem seu desprezo. Mas eles não vão me intimidar, mandarei cortar a cabeça de todos, mesmo que eu tenha que ajudar na empreitada, já que até os guardas aderiram a essa bárbara e peculiar revolução. Por favor, acenda algumas velas, amigo, quero que escreva essa minha determinação imediatamente, pois só confio em você.

 

          O médico feiticeiro começou a acender as velas enquanto o rei se concentrava para escolher as palavras do seu pronunciamento. Como estava de olhos fechados para ganhar inspiração, foi lá pela quarta vela acesa que ele teve a assombrosa revelação: Soren estava completamente nu segurando uma tocha!

 

          — Oh! Poderoso Thor! Por que me pune?! Estão todos contra mim! — O rei deu um salto e pegou sua espada. (Para ele, dar um salto ou pegar sua espada já seriam duas coisas difíceis de fazer separadamente, imagina as duas coisas seguidas; ele levou um bom tempo pra parar de arfar.) 

 

          — O que se passa, Majestade? — Soren perguntou calmamente.

 

          — Você também está nu! — Voltou a ficar gasguita. — Traidor! Querem me derrubar!

 

          — Por favor, acalme-se! Ninguém quer desrespeitá-lo, ninguém quer derrubá-lo e ninguém está nu! Que invenção é essa agora? Vou ter que perder a paciência de novo? O que está acontecendo aqui? — Exaltado, foi a vez do feiticeiro arfar. Cutberto então caiu em prantos:

 

          — Oh! Eu já não sei o que pensar. Será que estou louco? Não, não é possível, eu estou vendo todos nus, mas vocês insistem em negar! Eu quero uma vistoria agora! Reúna todos os meus súditos no salão principal! Há de ter alguma alma sincera e caridosa que irá me apoiar! Vamos! Agora!

 

          O rei vestiu-se rapidamente e, sem olhar para Soren, desceu as escadas em direção ao aposento indicado. Esperou alguns minutos até que começassem a chegar, um por um, todos os súditos do castelo. E, por cada um que entrava nu, esfregando os olhos de sono pelo adiantado da hora, o rei sofria um baque na boca do estômago. No final de aproximadamente quinze minutos o quadro era avassalador; um rei enlouquecido, vencido e desiludido ( E todos os outros “idos” que possam existir) diante de uma pequena multidão de súditos bocejando nus!

 

          Cutberto ficou em coma por três dias. Ao acordar, no meio da noite do terceiro dia, ele estava sombrio e silencioso. Fingiu que não viu Klaus e os outros criados nus. Seguiu sua rotina matinal, depois almoçou e mandou chamar Soren que chegou galopando de banda no final da tarde, nu, é claro.

 

           — Meu amado rei parece mais animado! — O médico feiticeiro foi meio cínico.

 

          — Soren, — o rei começou meio cínico, mas também solene. — quero outra reunião daquela. Aliás, exatamente como aquela. Todos os peladões no salão principal em quinze minutos! — Soren virou nos calcanhares e saiu com Klaus para atender ao pedido do rei.

 

          Dessa vez Cutberto foi o último a chegar. Passou por todos os seus súditos, olhando, examinando, perscrutando até se sentar em seu trono. Fitou a plateia uns dois minutos e começou seu discurso:

 

          — Vou abdicar do trono! — Espanto total. — Foi o que eu pensei quando os vi assim, como estão agora, há três dias. Depois, no silêncio do meu quarto questionei a minha sanidade e apesar de muitas dúvidas e momentos difíceis, eu tive uma luz! Eu pensei: “Não! Eu não estou louco! Louco eu estaria se não acreditasse no que os meus olhos veem! Louco eu estaria se preferisse acreditar no que os outros me dizem! Então, cheguei à seguinte decisão: Quem não estiver vestido amanhã quando eu acordar terá sua cabeça imediatamente cortada! Por mim! E tenho dito! Eu sou o rei e de agora em diante será assim! — Levantou-se majestosamente do trono e subiu para os seus aposentos ouvindo o burburinho dos seus súditos.

 

          Com a reunião terminada depois de muito bafafá, restaram no salão apenas Klaus e Soren. Os dois, trocando cúmplices olhares apertaram as mãos.

 

          — Finalmente temos um rei! — Sorriu Klaus, mais que satisfeito com o desdobramento da história. 

 

          — Finalmente livre dos chiliques da madrugada! Mil vivas ao rei! Até mais ver, Klaus! — Soren dirigiu-se à porta.

 

          — Senhor, espere, suas roupas! As noites aqui na Dinamarca são geladas!"

 

(http://www.desafiosdosescritores.com.br/CONTOSDADINAMARCAtema1b.htm)