O MAR VAI CHEGAR

Finalmente leio o que já há muito esperava: o Rio está condenado pelo mar. Pelo aquecimento global. A matéria é antiga. Vem do Dilúvio. Rubem Braga escreveu sua obra-prima: “Ai de ti, Copacabana”, sobre exatamente o tema. Minha sala vai submergir, os bagres nadarão na estante de livros e sobre a tampa do computador. Meus papéis flutuarão no cemitério marinho, entre as fotos de meus antepassados e gurus. Pouca coisa sobrará, na Internet. Os originais finalmente estarão em estado primordial, finalmente esquecidos. Alguns poemas ainda mergulharão no azul, sairão pela janela, nadarão pela Guanabara, alcançarão o mar alto, onde afundarão nos abismos do Oceano e ali permanecerão Eternos. Será a glória. Como nos versos eternos de Valery, no "Cemitério marinho":


Sim, grande mar dotado de delírios,
Pele mosqueada, clâmide furada
Por incontáveis ídolos do sol,
Hidra absoluta, ébria de carne azul,
Que te mordes a fulgurante cauda
Num tumulto ao silêncio parecido,




Ergue-se o vento! Há que tentar viver!
O sopro imenso abre e fecha meu livro,
A vaga em pó saltar ousa das rochas!
Voai páginas claras, deslumbradas!
Rompei vagas, rompei contentes o
Teto tranqüilo, onde bicavam velas!