O linguajar caboclo não pode desaparecer

ENTREVISTADO:

Gisleno Feitosa

O médico e escritor Gisleno Feitosa lançou neste ano livro reunindo crônicas e poemas que focalizam o universo e a linguagem da região nordestina. Publicado com a intenção de entreter pacientes no consultório do vate, o livro é de saborosa leitura e um prato cheio para quem quer conhecer a linguagem do nordeste. Ele conversou com Entretextos sobre a obra.

Dílson Lages - Sua poesia procura antes de tudo resignificar a linguagem nordestina. Para alcançar esse fim, como ocorre o processo de criação literária de Gisleno Feitosa?
Gisleno Feitosa - Desde criança sou aficionado por livros. Fui seminarista, em Fortaleza, “mastiguei” muito Latim com o Padre Gumercindo e convivi com a gente humilde da Lagoa Redonda e isso me estimulou a criar algo que trouxesse à tona o modo de ser do povo sofrido e resignado do nordeste. Daí pra cá, fui juntando os termos que ouvia como médico em Barras e mesmo aqui em Teresina. Por fim resolvi publicá-los; não como crítica, mas como homenagem a este irmão ou irmã, angustiado pelo dor e pela injustiça social.
Creio que o linguajar caboclo não pode desaparecer. Alguém tem que tentar perpetuá-lo.

Dílson Lages - Em Gisleno Feitosa... em verso e prosa desfila grande número de termos regionais. O que esses termos dizem sobre o Piauí e os piauienses?
Gisleno Feitosa - No meu modo de ver, traduzem fidedignamente o sentimento deste povo bondoso e humilde. Lembro que ao atender o primeiro paciente em Barras do Marataoan fui surpreendido com a solicitação de que prescrevesse um “cachet”. Desnorteado, procurei apoio no saudoso mestre Zé Lages que, sorrindo, explicou que se tratava de comprimido. O doutorzinho recebia ali uma lição de francês do caboclo das brenhas.

Dílson Lages - O senhor tem feito da poesia um instrumento de divulgação da medicina. É possível conciliar medicina e poesia, sem prejuízos à dimensão estética da linguagem literária?
Gisleno Feitosa - Se prejudica a linguagem literária não sei; que ajuda a humanizar a medicina, tenho certeza. Sou adepto da máxima  do médico espanhol José Letamendi que diz: “o médico que só sabe Medicina, nem Medicina sabe”. Através de meus textos, fico mais próximo da clientela; explico o desenrolar das patologias sem o cientificismo peculiar do “mediquês”, transmitindo mais segurança e confiança.

Dílson Lages - Em sua poesia, a sátira é recorrente. Nela, o senhor critica costumes e desvarios de nosso tempo. Dá pra acreditar que a literatura serve para transformar alguma coisa?
Gisleno Feitosa - A Literatura é um instrumento de comunicação e de interação social, pois cumpre o papel de transmitir os conhecimentos e a cultura de uma comunidade. O enciclopedista e acadêmico Antônio Houaiss disse certa vez que: “A literatura é de uma relevância transcendente, porque ela é o grande espelho da vida. O único documental real da história é a literatura”.

Dílson Lages - Humor é a marca registrada do estilo de Gisleno Feitosa. Como o senhor procede para criar o humor que tanto individualiza sua escrita?
Digo no meu livro que a proximidade com os outros seres humanos, o convívio diuturno com o sofrimento, o compromisso inalienável com a vida, facilitam a inspiração e a intuição. Quem convive permanentemente em meio a dor e ao sofrimento tem que procurar uma válvula de escape ou se torna mais estressado que o próprio paciente. É ai que o humor tem vez. Aprende-se isso com a vivência em consultórios e centros cirúrgicos.

Dílson Lages - O que os leitores encontram em seu recente livro Gisleno Feitosa... em  verso e prosa?
Gisleno Feitosa - Na verdade, quando pensei em criar esta obra tinha o intuito de entreter os pacientes na sala de espera de meu consultório. Coloquei textos instrutivos em meio a outros engraçados a fim de tornar menos enfadonha a longa espera pelo atendimento.

Dílson Lages  - Gisleno Feitosa... em verso e prosa cumpre uma função bastante didática. O que é possível aprender nessa obra?
Gisleno Feitosa - Não tive em momento algum o intuito de ensinar nada a quem quer que fosse. Tudo começou como uma brincadeira de quem gosta de ler e que sente na pele a carência premente de afeto, mais do que de , nas pessoas, nos dias atuais.
Não sei se fiz bem em publicar o livreto, mas comungo com o grande mestre Darcy Ribeiro quando preceitua: “Algumas pessoas podem rir de mim porque eu tentei e não consegui, mas com certeza eu rirei muito mais porque elas nunca tentaram”.