Fernando Pessoa, o grande poeta português, era um leitor ativíssimo. Era homem culto e arguto de tudo. Nascesse noutro país, ou fosse menos leal à sua portugalidade, e emigrasse para a Inglaterra ou Estados Unidos, seria um autor em filosofia e em temas de ciência social em geral.

Seria o que chamam de “publicista”, ou seja, um escritor não acadêmico que sinaliza novos caminhos e focos para a pesquisa profissional e faz o público comum pensar e concluir por si. Todavia, Fernando Pessoa era português inteiro e voltado para as coisas lusitanas, em linha com o grosso dos literatos do Portugal de seu tempo.

Como diferença, em seu favor, tinha acesso a tudo que se publicava em inglês, uma vez que a língua inglesa era também seu idioma de meninice na África do Sul. Fernando Pessoa sabia que ler, especialmente livros de ficção e poesia, era ato de invenção na mente do leitor. As palavras escritas serviam a que se desenvolvesse, pela leitura, um processo de encantamento ou de questionamento com as entidades, coisas e dimensões da vida humana em todos seus planos possíveis.

É provável que todos nós leitores tenhamos essa mesma experiência em graus menos extremos que o do festejado poeta. O fato é que Pessoa, certa vez escreveu: “Embora seja leitor ardente, não me recordo de nenhum livro que tenha lido, a tal ponto eram minhas leituras estados de minha própria mente, sonhos meus, e mais ainda provocações de sonhos.” É citação de Eduardo Giannetti, em o “Autoengano”, Companhia das Letras, 2005, página 12.

Por certo, o literato buscou impactar, ou fingir para melhor dizer, Ele, com certeza, lembrava de muitos livros que leu, mas quis mostrar que a literatura se completa na mente do leitor. Esse, quando tem efetiva cooptação das ideias e dos achados de linguística que o autor lhe oferece, tem a sensação de que tudo o que leu é seu de origem.

O leitor absoluto, ou seja, o que “reescreve”, em sua mente, o texto lido, é um novo autor. Os “autores” desse tipo, produtos da psicologia que descrevi, não sentem a sua leitura como vinda de um meio externo. A palavra final, aquela que fica no espírito do receptor da obra de arte, é escrita por ele, o leitor, e não pelo autor externo.

Pode-se concluir, com o mesmo exagero poeticamente provocador de Fernando Pessoa, que os melhores e mais efetivos poetas e romancistas sejam os menos lembrados por seus leitores. Ao menos, retifico a mim mesmo, quanto ao reconhecimento da extensão, do volume e da profundidade com que suas narrativas e suas linguísticas nos transformaram de dentro para fora, como se fossem obra nossa