Álvaro Lins
Álvaro Lins

             [Carlos Evandro M. Eulálio]

             Para Álvaro Lins, o trabalho do crítico literário consistia em interpretar, sugerir e julgar. Ele afirmava que a crítica forma alicerces e levanta muros para futuras produções. Isso potencializa o propósito pedagógico, ao dar novas pistas ao autor estudado para o aperfeiçoamento de sua obra literária. Lins costumava citar Sainte-Beuve (1804-1869) que, a respeito do crítico, afirmava ser alguém que sabe ler e ensina os outros a ler. Charles Augustin Sainte-Beuve foi um crítico literário e uma das grandes figuras da história da literatura francesa que inovou os padrões de crítica literária de seu tempo, ao comparar a obra que analisava com outros textos de diferentes países, escritores e épocas.

            Lins atuou entre os anos de 1941 e 1963. No exercício da crítica literária, tinha o poder de atrair leitores para determinada obra, além de influenciar a comercialização de títulos como ocorreu em relação a Sagarana, de Guimarães Rosa, publicado em 1946. Na década de 1950, com o exercício da crítica nas faculdades de Letras liderado principalmente por Afrânio Coutinho, criou-se outro espaço que não exclusivamente o das páginas de jornais. Em razão disso, verificou-se o declínio da crítica de rodapé, caracterizado mais ainda pela polêmica entre os críticos de jornal e os da cátedra universitária. Estes defendiam a prática de uma crítica com mais rigor analítico, não verificado nas redações de jornais.

           A crítica de Álvaro Lins ficou conhecida por crítica impressionaista, modalidade mediante a qual o crítico externava sua opinião pessoal sobre o texto que interpretava e analisava. A respeito dessa linha de produção crítico-literária, referiu-se Antônio Cândido:

             [...] é a "crítica nutrida do ponto de vista pessoal de um leitor inteligente [...] é a crítica por excelência e pode ser considerada [...] a aventura do espírito entre os livros. Se for eficaz, estará assegurada a ligação entre a obra e o leitor, a literatura e a vida quotidiana". (1)

            Acresce afirmar que, diferentemente de outras posturas, o humanismo erudito deve constituir o principal requisito do crítico impressionista que segue a linha de Álvaro Lins. Para o professor Eduardo César Maia, em tese de doutorado na área de Teoria Literária, da Universidade Federal de Pernambuco, citado por Flávia Aparecida Hodas 2, o que caracteriza, pois, os críticos da linhagem humanista é a posse de um espírito erudito, inclinado à investigação, típico dos humanistas mais eminentes. Para eles, o fenômeno literário é de natureza filosófica, e a literatura, um instrumento de conhecimento do homem. A noção de estilo deixa de ser gramatical para se tornar filológica. Essa postura identifica o crítico literário possuidor de vasto repertório de conhecimentos humanísticos, principalmente no campo da filosofia, da história e da própria teoria literária, que lhe possibilita realizar a análise do texto literário com mais rigor e profundidade. Isso se constata quando Álvaro Lins, ao analisar poemas de Carlos Drummond de Andrade e de Américo Facó, interpreta-os a partir de suas métricas, sistemas rítmicos, figuras de linguagem e uma infinidade de outros termos técnicos que revelam, em última instância, não somente uma crítica diletante, mas também uma crítica detentora de uma objetividade analítica. 3 Essa constatação é reforçada com a afirmação do próprio Álvaro Lins ao conceituar seu ponto de vista sobre crítica impressionaista:

Sabemos que a crítica não é só impressionismo, não é só apreciação ou julgamento no plano subjetivo. Não é somente uma arte. Por outro lado, porém, ela não pode se fechar aos limites de um seco objetivismo, não pode ser uma prisioneira das leis e dos conceitos de outras ciências. A crítica se forma de uma união mais complexa de elementos objetivos e subjetivos. Existe necessariamente uma ciência da literatura que exige conhecimentos especializados e metodologia própria. [...] O verdadeiro crítico há de ser um erudito e um impressionista; esta síntese é que faz da crítica uma obra criadora dentro da literatura. [...] o escritor crítico é um criador de ideias. (LINS, 2012, p. 50) 4   

 

         Com essa afirmação, imaginamos que Álvaro Lins contribuiu para desmitificar a ideia de que a crítica impressionista se reduz apenas à análise de concepções subjetivas a respeito de uma obra literária. Ela vai muito além disso, pois ao atuar na confluência entre a subjetividade e a objetividade, permite ao crítico desenvolver habilidades criativas em suas análises.

         Delineia-se, portanto, a atividade crítica de Álvaro Lins, com base nos princípios por ele explícitos no artigo Itinerário, publicado no jornal carioca Correio da Manhã,5 que compreendiam: a individualidade, a personalidade e a liberdade. Individualidade como expressão da vida pessoal e universal, condição indispensável para o fazer crítico, conforme assinalou Álvaro Lins: porque somente na solidão o homem conquista a liberdade nos seus estados de absoluta pureza e de absoluta força, afastando-o das ideias coletivas, para esquivar-se de preceitos e de princípios ideológicos prontos ou eivado de regras estratificadas. Agindo assim, com independência, Lins preservava a liberdade individual, autoafirmando sua personalidade, afastado da sujeição ideológica, muito em voga à época de sua militância crítica. É nessa atmosfera de trabalho que lhe permite desenvolver a escrita criativa, donde se conclui, em síntese, que, na atividade crítica, Álvaro Lins reforçava o propósito de orientar o público para o seu verdadeiro gosto e para a sua verdadeira finalidade no caminho da arte” (LINS, 2012, p. 25).6  Para tanto, ressalte-se o caráter judicativo de sua crítica, pautado pela isenção do sectarismo e do elogio gratuito, acrescido que era, também, do propósito didático-pedagógico.       

 

*Texto metacrílico, escrito com base em informações extraídas do ensaio A crítica literária de Álvaro Lins, de autoria da professora Flávia Aparecida Hodas, doutora em Letras pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).       

 

NOTAS

1. CANDIDO, Antonio. Crítica impressionista. 1958. Disponível em: < https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/remate/article/viewFile/8635988/3697> Acesso em: 14/05/2018.

2. HODAS, Flávia Aparecida. A crítica literária de Álvaro Lins.  http://dx.doi.org/10.5007/2175-7917.2018v23n2p120, acessado em 24/8/2022.

 

3. HODAS, Flávia Aparecida, op.cit.

 

4. Apud Hodas, Flávia Aparecida, op. cit.

 

5. LINS, Álvaro. Sobre crítica e críticos: ensaios escolhidos sobre literatura e crítica literária, com algumas notas de um diário de crítica. Organização de Eduardo César Maia e apresentação de Lourival Holanda. Recife: Cepe, 2012. Apud HODAS, Flávia Aparecida, op. cit.

 

6. ibidem.