Cunha e Silva Filho

                         A questão do homossexualismo na literatura brasileira é tema complexo e altamente polêmico. Entretanto, numa reportagem do Segundo Caderno do jornal O Globo 16/10/2016) o assunto é tratado tendo como base alguns escritores contemporâneos (Samir Machado de Machado, Bernardo de Carvalho, Víctor Hering e Michel Laub que estão escrevendo sobre essa que se poderia já definir como uma vertente ficcional brasileira tematizando histórias (ou estórias, como preferir)) protagonizadas por homossexuais, escritas ou não por autores heterossexuais ou mesmo homossexuais, assumidos ou não.

                        Caberia assinalar que o tema na literatura brasileira poderia encontrar um exemplo no período realista, ou melhor, naturalista, como o ficcionista Adolfo Caminha (1867-1897)). com o romance O bom crioulo (1895). Paralelamente a isso, seria igualmente curioso acentuar que, na telenovela brasileira, o mesmo tema precedeu o domínio da ficção, assim como no cinema, e no teatro ao nos depararmos com novelas que têm amiúde colocado em cena personagens secundários e mesmo protagonistas gays.

               Conviria ainda frisar que autores há e até ensaísta homossexuais que aberta e democraticamente abordam o tema que, de resto, jamais poderia ficar silenciado diante das variadas situações da condição humana, e aí não se poderia excluir a sexualidade e suas diversas formas de manifestação.

                      Do ponto de vista do aparato teórico sobre a questão das minorias e dos movimentos LGBT, já é rica a bibliografia disponível que tem levado em consideração com seriedade de análises os estudos avançados do que se denominou Queer theory através principalmente de autores como Eve Sedgwick, Judith Butler, entre outros (Cf. CULLER, Jonathan. Literary theory. – a very short introduction. New York: Oxford University Press, 2000, p. 94-107. Ver ainda, resumidamente, p. 131-132).

                        Crescem os estudos neste campo da investigação da sexualidade e da marginalidade, aqui entendida como um tipo de indivíduo desprezado pelo preconceito e vilipendiado pela sua condição de ser diferente em termos da sexualidade. A literatura universal, mesmo no século XIX, nos deu uma romance no qual a questão do homossexualismo é flagrante, ainda fortalecida pela condição de o autor ser um homossexual, Quero me referir ao romance O retrato de Dorin Gray (1890)), de Oscar Wilde.(1854-1900)), poeta, ficcionista e dramaturgo que, em plena época vitoriana, engolfada na hipocrisia e no preconceito, foi perseguido e estigmatizado.

                    A ficcionalização do homossexualismo, em todas as suas formas, a meu ver, não poderá cair numa espécie de modismo no qual escritores de talento se sirvam do tema para fins de popularidade ou mesmo financeiros dado que o assunto, hoje na ordem do dia, termina por ser uma boa isca para o oportunismo editorial no país.

                    É preciso que o escritor contemporâneo seja o mais cuidadoso possível para não ser levado pelo mencionado oportunismo, quer dizer, é condição sine qua non que o tema seja levado para o domínio ficcional, não por qualquer outro motivo escuso ou apelo utilitarista, mas por necessidade íntima da criação literária,  através da qual qualquer escritor tem de se posicionar corajosamente diante de sua época e das condições que a literatura gay apresenta como dado inapelável. Se se transforma em modismo, é bem provável que o nível estético se ressinta substancialmente.

                Na citada reportagem, o jornalista Bolívar Torres em colaboração com Sílvio Essinger, lembram que o respeitado ensaísta, crítico literário, ficcionista e poeta Silviano Santiago aduz a um neologismo que lhe chamou a atenção identificado num artigo que lera no jornal New York Times.O neologismo leva o nome de “bromossexuais que, segundo Santiago, diz respeito a uma nova e saudável relação entre “homens gays” e “héteros.”

                 É curioso que essa suavização das relações entre sexualidades diferentes se deve aos avanços alcançados por leis que aprovaram, por exemplo, o casamento entre homossexuais (masculinos e femininos) e por outras formas de abertura da sociedade, quem sabe, até modificadoras de mentalidades recalcitrantes que não acompanharam a história do desenvolvimento da sociedade planetária atual. As resistências, presumo, ainda continuarão enquanto prevalecerem focos de desaprovação de comportamentos em face de interditos de viés religioso.O própria Papa Francisco já dá sinais de maior compreensão pelos  problemas ligados a opções sexuais. Já é um salto  de qualidade.

                 Qualquer fechamento a discussões desta natureza estará movimentando-se na contramão das conquistas sociais e de condições de vida social. Não afirmaria eu que seja um “nova tendência” essa interação de sexualidades opostas. A meu ver, é a consequência de uma abertura sem hipocrisia entre praticantes de sexualidades diferentes, na qual ganham as duas partes e da qual se abre um canal de comunicação e de sociabilidade sem as amarras do preconceito e da hipocrisia., dando um golpe notável nas gerações passadas marcadas pelo machismo brutal e heterocêntrico, anda que persistam,em nossos dias, as discriminações retrógradas que só produzem o apartheid no esfera da sexualidade.

               É preciso atingir-se um elevado senso de discernimento e de desideologição para nos livrarmos do malefício provocado pela estigmatização das minorias. Para mim, esta é uma vitoria sobre a hipocrisia e a ignorância de nossa proclamada civilização.