(Miguel Carqueija)


(Resenha de “Conan, o bárbaro” – Editora Évora, S.Paulo-SP, 2012. Título original: “Conan, the conqueror”. Autor: Robert Ervin Howard (1906-1936). Tradução e apresentação: Alexandre Callari. Prefácio: Roy Thomas.)

    Consta este livro — um alentado volume com mais de 350 páginas — de um romance (“A hora do dragão”) e três contos do autor: “Além do Rio Negro”, “As negras noites de Zamboula” e “Os profetas do círculo negro”. Passando-se num hipotético mundo antigo — antes da História conhecida — as quatro narrativas fazem parte da saga de Conan, o bárbaro da Ciméria, e sua constante luta contra a injustiça e de modo especial contra a magia negra. A ação se desenrola tendo como cenário uma geografia irreconhecível, e pelos poucos indícios parece-me que Conan seria originário de alguma região que hoje faz parte da Rússia européia. Conan e outros personagens de Howard inauguraram o que hoje se intitula o gênero “espada e magia” mas para mim há um outro gênero embutido, o de “mundo antigo”, não precisando os dois necessariamente de andar juntos.        

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    “A hora do dragão” é um romance admirável, de narrativa direta e envolvente, e onde as coisas vão se sucedendo sem rebuços ou prolegômenos. Na época dessa história Conan, um bárbaro proveniente da Ciméria, é rei de Aquilônia. Quatro sinistros conspiradores, Valerius, Tarascus, Amalric e o bruxo Orastes, reúnem-se para reviver um terrível mago negro desaparecido há três mil anos, Xaltotun. O objetivo do quarteto é que outra nação, a Nemédia, domine Aquilônia, e para isso recorrem ao poderosíssimo bruxo do distante passado. Logo se torna claro que a principal luta, nesta violenta trama, será entre Conan e Xaltotun. Conan significa o homem que luta contra a magia com os recursos da sua própria natureza. E porque isto não deixa de representar um poder (se levarmos em conta a aguda inteligência e os raros atributos físicos do cimério, além do seu desconhecimento do medo), é especialmente emocionante quando, na virada da epopéia, depois de fugir por muito tempo até reorganizar suas forças, ele envia um ultimatum ao nicromante:
    “Cão de Acheron, estou retornando ao meu reino, e minha intenção é pendurar a sua pele em um espinheiro.”
    Diga-se de passagem, o termo “cão” como xingamento é largamente empregado no texto, muito embora um lobo, nesta primeira história do volume, e um cachorro, na segunda, apareçam como nobres protagonistas.
    O estilo de Robert Howard é épico, direto e grandioso, e sua narrativa, centrada na figura carismática de um herói sem sobrenome e que segue uma ética bárbara — mas que não deixa de ser um ética.
    É curioso notar, também, a ausência de famílias, de parentescos, talvez para não complicar ainda mais a trama. Conan é um homem sozinho no mundo; e o mesmo se pode dizer dos quatro vilões (o arquivilão Xaltotun, por ser um ressuscitado ou morto-vivo com mais de 3.000 anos, nem conta).

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    “Além do Rio Negro” é um longo conto de muita ação, com um Conan mais jovem auxiliado por outro guerreiro, Balthus. Juntos, ajudados também por um bravo cachorro, eles enfrentam as hordas comandadas pelo feiticeiro Zogun Sag, que controla bestas como pítons e leopardos. Conan, falando da incredulidade dos homens ante fenômenos sobrenaturais, aproveita para filosofar: “É assim que a civilização é. Quando não podem explicar algo por meio de sua ciência imatura, recusam-se a acreditar.”
    O mundo de Conan é cruel, turbulento, extremamente violento e perigoso. O próprio herói só consegue se manter vivo graças às suas habilidades especiais. A destacar a extraordinária desenvoltura com que o autor Howard se move nesse universo insólito, nessa geografia impossível, nesse turbilhão de nações e tribos que se digladiam numa eterna disputa pelo poder. A riqueza de vocabulário e a rapidez narrativa compõem tramas fascinantes.
    “O aquiloniano deslizou tropeçando até uma paragem, quase colidindo com o cimério que estava parado na trilha sobre um corpo amassado. Mas Conan não estava olhando para o cadáver que jazia na poeira enfeitada de vermelho. Observava as matas profundas de ambos os lados da trilha.”

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    “As noites negras de Zamboula” mostra Conan — até certo ponto um errante do mundo antigo, já se vê — numa trama sem conexão visível com as outras do livro. Desta vez, numa cidade muito estranha, amortalhada por um véu de horror noturno. Em outras palavras, uma cidade onde quem sai á  noite corre o risco de ser devorado por antropófagos.
    A justiça de Conan — sua justiça de bárbaro — aparece, ao final, de forma contundente — mas é um “spoiler” (revelação) que eu não posso passar.
    O livro se encerra com “Os profetas do círculo negro”, onde mais uma vez Conan enfrenta feiticeiros utilizando a sua esperteza e aptidão física. Detalhe típico em Conan é não temer a magia. Veja-se, por exemplo, a sua imunidade ao hipnotismo:
    “A base da feitiçaria de Khemsa era hipnotismo, como é a da maioria dos magos orientais. O caminho para o hipnotismo tinha sido preparado por incontáveis séculos de gerações que viveram e morreram com a firme convicção de sua realidade e poder, edificando, pelo pensamento coletivo e pela prática, uma atmosfera colossal, ainda que intangível, contra a qual os indivíduos, mergulhados nas tradições da terra, encontravam-se indefesos.
    Mas Conan não era filho do leste. Suas tradições eram indiferentes a isso, que era produto de um ambiente de todo diferente. Hipnotismo não era sequer um mito na Ciméria. A herança que preparou um nativo do leste para a submissão ao mesmerismo não era a dele.”
    Assim, em poucas e adequadas palavras, explica-se o poder deste super-herói primitivo, capaz de vencer onde os homens comuns fracassam e são derrotados.
    Recomendo “Conan, o bárbaro” como um livro realmente magnífico.

Rio de Janeiro, 6 a 9 de janeiro de 2013.