O Grande Herói de Oeiras

Joca Oeiras*


Como muita gente já sabe, embora até alguns piauienses ignorem, Oeiras foi, durante 93 anos (1759/1852), a primeira capital do Piauí. Pela seriedade, pompa e circunstância com que comemora o seu calendário religioso, atualmente ostenta, com méritos, o título de “Capital da Fé”. Mas o maior herói de Oeiras, apesar de incensado e, mesmo, adorado por alguns oeirenses, e, ainda que católico praticante, não era nenhum líder messiânico.

Penso muito em como deve ter sido a sua juventude, que não há vivente que dê conta dela, mas Possidônio Queiroz (1904/1996) tornou-se, nos últimos 50 anos de sua vida e até hoje, um exemplo e uma referência para todas as pessoas que com ele conviveram e, mesmo, as que, como eu, não desfrutaram deste prazer.

Negro, intelectual autodidata, Possidônio, numa visão apressada (e certamente preconceituosa) poderia parecer a quem não o conheceu, uma espécie de “Pai Tomás”, um “preto de alma branca” que abandonou as referências étnicas para assumir a ideologia dos senhores de escravos.

Cidadão exemplar, respeitador das leis e das autoridades, apaixonado por Oeiras, membro do Rotary Clube da cidade, flautista de grande talento, compositor de lindas valsas, discursador incansável, professor emérito, rábula (advogado não diplomado), sócio fundador do Instituto Histórico de Oeiras - IHO, Possidônio, que chegou a ter uma livraria em pleno Mercado Público de Oeiras, atendia a todos que o procuravam com a mesma atenção e respeito, fosse um matuto que lhe pedia para escrever uma carta, fosse um político que encomendava um discurso. Dava especial atenção às crianças, a ponto de largar tudo o que estava fazendo só para atendê-las, o que, muitas vezes, exasperava os adultos que disputavam sua atenção.

Em 1987, Oeiras recebeu as visitas de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, e de sua filha (com Olga Benário), Anita Leocádia. Em 1926, a Coluna Prestes havia passado por Oeiras e o jovem Possidônio Queiroz confraternizara com os revoltosos. Coube a ele, como era de se esperar, o discurso de boas vindas aos ilustres visitantes. Em seu agradecimento, Prestes disse que não estava acostumado a ser tão bem recebido como o foi em Oeiras. Anos depois, Anita Leocádia escreveu uma carta rememorando o episódio e falando da profunda emoção que se apossou de ambos, pai e filha, diante do discurso de Possi, como muitos o chamam, até hoje, carinhosamente.

Uma das coisas de que posso me orgulhar, com toda a certeza, é de ter tido a sensibilidade de editar um número do tablóide “O Estado do Piauí, o mais charmoso do Brasil” inteiramente dedicado a Possidônio Queiroz, em 2004, ano em que se comemorou o centenário do seu nascimento.

Quando, ainda hoje pela manhã, me dispus a escrever sobre ele, um ícone oeirense de primeira grandeza, não imaginava o quanto é complicada a tarefa que me impus, pois, quanto mais escrevo, mais sinto necessidade de contar histórias que demonstrem outras das múltiplas facetas de sua personalidade. A ponto de eu estar convencido de que não obterei mais que uma singela descrição de pessoa tão radicalmente incomum e do papel que ele representa no imaginário coletivo dos oeirenses, e de tantos outros que o conheceram ou recebem informações a seu respeito, ainda que gaste milhares de palavras.

Mesmo esta pálida imagem, no entanto, considero reveladora de um grande vulto da nossa história, não somente de Oeiras, mas do Piauí e do Brasil. Mais do que isso, a existência de Possidônio Queiroz, sem sombra de dúvidas, valorizou sobremaneira a tão (e por tantos) enxovalhada HUMANIDADE.

*Joca Oeiras é artista plástico