O garoto do aeroporto

ROGEL SAMUEL


No tempo em que eu trabalhava no Aeroporto de Pampulha, em Belo Horizonte, chamou-me atenção um garoto que todos os dias encontrava sentado no terraço do primeiro andar olhando fixo o horizonte à espera dos aeroplanos que chegavam e que vinham daquela direção do nascente.
E me recordo da primeira vez que o vi pois tive de afastá-lo da entrada e passagem da porta de nosso escritório, onde se colocara ele, sentado a olhar.
Depois disso notei que diariamente no fim da tarde estava ele sempre ali, olhos perdidos no fim do horizonte, a boca semi-aberta, o ar enigmático.
Não era louco o rapaz (penso), nem era de todo triste, como garoto-problema. Talvez mais um garoto-propaganda de sua solidão e espera.
Teria uns 17 anos e parecia comum a todos os outros da sua classe média média brasileira: no tênis de certa marca, na meia soquete, na bermuda e camiseta, na mochila em que trazia não sei o quê como se viesse do colégio.
O corpo forte como todos de sua idade de amantes dos esportes e do sol: as pernas e os braços sólidos contrastavam com o ar sonhador e poético, mas respiravam saúde e beleza. Também os cabelos cortados muito rentes e muito baixos, o deixavam quase careca.
O que salientava nele, porém, era a imobilidade e concentração.
E também notei-lhe nos olhos muito negros, sim, porque quando algum vôo despontava no longínquo horizonte os olhos negros ficavam mais profundos e hipnotizados, extáticos, escuros, bem negros, que como que cuspiam certas faíscas luminosas de um brilho mais psicológico, mais subjetivo do que real, que eu não sabia nem sei interpretar bem, como estivessem impregnados do vôo a vir a chegar a pousar a trazer alguém que ele esperasse chegar. E naqueles momentos eu poderia ficar quase na sua frente, observando-o, examinando-o como a uma estátua, que ele não se importaria, não se molestaria, nem ficaria vexado ou irritado comigo simplesmente porque não me veria ali. Era todo concentração do olhar.
Dias, semanas e meses se passaram naquela mesma maneira, e estaria talvez por anos se eu não tivesse sido transferido para a agência do Rio de Janeiro para onde me mudei e de todo o esqueci por completo.
Alguns anos depois, devido a um problema técnico mal resolvido na nossa companhia, tive de voar rapidamente para a Pampulha onde trabalhei toda a manhã para reparar o erro e me liberei no fim da tarde.
Então, enquanto eu esperava o vôo 1733 das 19:36 de Pampulha para o Galeão, tive tempo de ir ao café onde encontrei um velho amigo com quem conversei ali, em pé, e que depois de caminhar comigo por toda o comprimento do saguão, que não é muito grande, me convidou ele para subir aquela escada que vai até o primeiro andar onde existe a área descoberta e de onde se podem ver os aviões chegando e partindo.
 

 
* * *
Subimos.
A primeira coisa que vi foi o mesmo rapaz no mesmo lugar sentado do mesmo modo olhando o mesmo ponto obscuro e incógnito no mesmo horizonte.
Aproximei-me dele para olhá-lo de perto: ele parecia um pouco mais velho e a única diferença que reparei era que seus olhos agora eram azuis.