O. G. Rêgo de Carvalho: Letra e música
Em: 04/12/2013, às 09H40
*Francisco Miguel de Moura
Orlando Geraldo Rego de Carvalho morreu na madrugada de 9 de novembro deste 2013. O escritor O. G. Rego de Carvalho, como assinava, vai demorar muito. Só não será eterno porque não há eternidade nesta vida. Como escreveu São Francisco de Assis, “é morrendo que se vive para a vida eterna”. O. G. Rego de Carvalho, sem ser poeta no sentido de versejador, deixou-nos a bela poesia de seus romances e contos, cada vez mais sofridos e tão musicais porque vindos do fundo da alma. Nasceu em Oeiras, aos 25 de janeiro de 1930, em família tradicional da antiga capital do Piauí, cuja cidade, nos antanhos, tinha o costume de construir cada casa com um quarto já reservado aos loucos. Porém continua e continuará sendo a cidade também dos músicos e letrados, cidade da inteligência e da tradição, a cuja tradição O. G. Rego pertence. E como não é da cidade que vamos tratar, voltemos esta homenagem a nossa amizade, nossa admiração. Conhecia-o de leitura, antes de aqui chegar. Era outubro de 1964. Ele viera do Rio de Janeiro, onde exercia relevante função na Direção Geral do Banco do Brasil. E eu aqui chegava, vindo da Bahia. Alguns dias ou semanas depois houve o nosso encontro, já então colegas, no Banco do Brasil. Restabelecida sua saúde, a qual tinha sido abalada pelo o esforço dispendido para terminar “Rio subterrâneo” – “minha obra prima”, dizia, já pensava escrever o romance “A maçã partida”. A partir dali, já trabalhando no Banco do Brasil, na Agência de Teresina, onde permanecemos até a aposentadoria, convivemos estes anos todos, na melhor harmonia, não obstante o árduo trabalho daquela empresa. E eu bebia de sua experiência de vida e arte, enfim de sua sábia inteligência, a quem sou grato, muito grato. Tenho orgulho de chamá-lo de meu colega, amigo e mestre.
O. G. Rego de Carvalho nunca interferiu no trabalho que sabia eu estar fazendo na Faculdade Católica de Filosofia do Piauí – a famosa FAFI, ovo e estrela na Universidade que se formava. Depois de pronto o meu “Linguagem e comunicação em O. G. Rego de Carvalho” foi que o mostrei e ele demostrou alegria, satisfação e surpresa. Ambos nos comportamos, também como se previa, com a liberdade dos comunicadores, seja na imprensa, na literatura, na crítica, no romance, na poesia.
Coincidentemente fomos morar de frente um para o outro. Casas construídas sem combinação prévia, cujas habitações ficavam (e ficam, pois ainda estão de pé) à Rua 13 de Maio, zona Centro-Norte. Íamos para o trabalho caminhando... Era costume parar um pouco na Livraria DILERTEC, ou do Nobre, onde batíamos um papo gostoso e descontraído: chegando, entrando, comprando ou apenas lendo e discutindo. As nossas casas foram construídas ao mesmo tempo. E à tardinha ou nos dias santos e feriados nos freqüentávamos para um “papinho” sem compromisso ou para pedir uma sugestão – opinião que, em seu caso, nem sempre valia. Mais valia a de antes, recebida de sua mãezinha. Já no meu caso era diferente, um discípulo sempre é influenciado por seu mestre. O gosto da conversa era ótimo e consolidava nossa amizade fora do local de trabalho. A coisa lá era outra: quando ele ficava mais agitado, e não eram poucas as vezes, gostava de caminhar pelo ambiente e falar com os colegas de outras secções. Se um deles estava muito atarefado, sem tempo de dar-lhe atenção, O. G. quebrava o ritmo do serviço com esta observação:
- Colega, você está nervoso, acalme seus nervos!
- E o que posso fazer com tanto serviço e prazo para entregar “ontem”?
- Tome haloperidol! - recomendava.
Era um dos medicamentos de seu uso no momento, passado pelo médico, com quem ele discutia o problema psicoterápico com uma sapiência que o esculápio ficava abismado. É isto mesmo. O escritor O. G. Rego estudou profundamente a psicose chamada de esquizofrenia, tanto que apenas na primeira crise a família teve que o levar para o tratamento hospitalar especializado. Tão consciente ficou do seu problema que, na segunda crise, ele mesmo foi e, por conta própria, internou-se na casa de saúde para continuar o tratamento.
Lembro que ele me conscientizava dos meus males: ansiosidade, depressão... Em sua sabedoria e bondade, devia segredar a si mesmo: “é assim que posso melhor ajudar o próximo”. Religioso, mas não freqüente à igreja católica, salvo para levar a mãezinha já bastante avançada na idade. Acreditava em Deus e nos Evangelhos. Sobre estes, cito aqui não ipsis literis, pois não anotei, mas o conteúdo real do que me disse:
- “Faça um leitura completa dos quatro evangelhos, Chico, e não encontrará nenhuma contradição. É o suficiente para acreditarmos que são verdadeiros”.
Deixou mulher e filho, D. Divaneide Carvalho e Orlandinho, nos seus dois ou três anos idade (ainda tenho que me certificar). Ela, professora, tradutora e poeta. O amor entre eles começa pela literatura: Um trabalho para seus alunos, no colégio, sobre a pessoa e obra de O. G. Rego de Carvalho. Assim, teve que entrevistá-lo, e aí se apaixonou. Amor à primeira vista, que durou para sempre. É ela a guadiã de sua memória e de suas obras, o que não é pouco, tendo em vista o que deixou como extraordinário escritor de pequena produção (“Ulisses entre o amor e a morte”, “Somos todos inocentes”, “Rio subterrâneo, a novela “Amarga solidão” e mais diversos contos espalhados por jornais, revistas e antologias). Foram poucos os livros que publicou, mas todos de grande valia, pelo estilo musical (poesia e ritmo), sem se perder na abordagem da alma de seres perdidos pela dor, angústia e solidão. Sua marca como profissional exemplar, homem de caráter e sabedoria também não pode ser negada: será também contada numa biografia que pode estar começando agora.
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*Francisco Miguel de Moura, poeta e prosador, membro da Academia Piauiense de Letras (APL - Teresina - PI), da União Brasileira de Escritores (UBE - SP) e da International Writers and Artists Association (IWA - Estados Unidos).