O fogo da labareda da serpente
Em: 07/10/2009, às 13H07
Da página trinta e sete a quarenta e sete, o conhecimento do arcabouço mítico amazonense - indígena - se iluminará em favor do segundo narrador, o qual, sonhadoramente, como explica Bachelard, buscará as mil lembranças de seu passado. Nas páginas do romance, estão todas as gravuras, existenciais e/ou míticas que marcaram a íntima solidão reflexiva. “O verdadeiro espaço do trabalho solitário é dentro de um quarto pequeno, no círculo iluminado pela lâmpada”[xxv], afirma Gaston Bachelard.
Esta incomum criação ficcional, distintamente, no instante do impasse narrativo, necessitou do auxílio do elemento fogo, principalmente do fogo mítico em sua forma destrutiva, para que, posteriormente, auxiliada pelo elemento água, pudesse realçar a imagem de uma Amazônia lendária e selvagem (feminina e masculina), ameaçada de extinção por obra e graça do poder do capitalismo selvagem. O fogo que iluminou o cogito reflexivo do segundo narrador não esmoreceu e nem se ateou de mais. Foi contemplado numa hora de ociosidade [ociosidade = repouso ativado] em toda a sua vivacidade e brilho para que o mesmo, a partir da página 48, pudesse revelar aos pósteros os grandiosos, inacreditáveis, e, posteriormente, extintos segredos capitalistas do Manixi.
De qualquer forma, a partir do incêndio transformador, a água será o elemento de condução criadora da narrativa ficcional rogeliana, substância esta já anunciada (no primeiro capítulo) como imprescindível para o desenrolar do relato. Depois do “fogo da labareda da serpente” - uma indicação de que o plano mítico se avizinhava/avizinha-se -, o narrador Ribamar de Sousa [mergulhou] “na invisível água do igarapé de treva fria e rápida, e [foi] levado e [se afastou] dali”. “Uma correnteza negra” [o abraçou, o envolveu, o levou]. O fogo, segundo Paul Valéry (citação de Bachelard), “é um agente essencial”, mas “de precisão temível” cujo “efeito maravilhoso é limitado”[xxvi]. Portanto, referendando a fase de transição para o plano mítico-ficcional, a consciência singular do segundo narrador, conhecedor das limitações ígneas, exige a distinção de uma substância que possa se tornar também propulsora de “surpresas de muitos outros ocorridos”[xxvii].