O fio do riso em Teresina
Em: 05/12/2011, às 14H09
[Rosidelma Fraga - especial para Entretextos]
Com o livro O fio do riso, de Ângela Lago que li na manhã de sábado, do dia 03 de dezembro, de 2011, organizei tantos outros livros e jornais e voei para Teresina. Dormi profundamente e às vinte e três horas ouvi a voz do comissário de bordo a sobressaltar-me:“Senhores e senhoras, sejam bem-vindos a Teresina”.
Desci as escadas do voo 3882, caminhei lentamente até a porta de desembarque e li a seguinte informação: “Quem sair por esta porta não poderá retornar”. Esteticamente, recebi os dizeres como um convite à permanência no local dos rios Poti e Parnaíba.
Pessoas de todas as cores vão para todos os lados, rostos piauienses, cearenses, recifenses, paulistas, goianos e troianos, nem sei quantas almas estiveram diante de mim. Bem que eu desejei escrever um poema, leitor. Porém o fio que tece minhas memórias é mais prosaico.
Aproximei de uma companhia de táxi e comprei um ticket para o Hotel Pio, na Avenida do Centenário e perguntei: “É perto?” A moça não respondeu com palavras. Somente gesticulou com as mãos: “mais ou menos”. Retirei treze reais e entreguei-lhe. Concomitantemente, um estrangeiro pede um táxi para o Bairro Pirajá e paga os mesmos contos de réis.
Olho a moça loira chupando chiclete e a fila andando. Misturo ao estrangeiro com a sensação de ser um personagem de Albert Camus. Noto o fio do riso nos lábios da moça e quase indaguei: “A senhorita está a rir de mim ou do estrangeiro?” Calei, escolhendo seguir o meu destino para regar as minhas rosas.
O motorista, com as mãos na cabeça e com ar de incredulidade, comentou: “nossa, a senhora está somente com esses livros e poderia ir caminhando. Olhe lá o hotel”. Esqueci da elegância e, como sou filha de Deus, soltei um famoso: “Filha da puta”. Só agora compreendi o riso da moça do chiclete. Aprendi que os livros abrem caminhos, desencadeiam risos e a imaginação. Porém, eles não possuem GPS e nem nos mostram quando seremos assaltados propositalmente. O imaginário poético da literatura esconde a realidade, muitas vezes.
Enfim, cheguei ao lugar desejado no tempo de um minuto que custou treze contos. Logo à minha espera estava um menino com cabelos pretos tal como negro preto cor da noite. Intertexto que caso com Negro preto, cor da noite, do poeta Afro-Brasileiro Lino Guedes lido por mim no voo entre Goiânia e Brasília. O menino também não se conteve quando narrei o fato. Desabrochou o fio do riso em Teresina.
Dia seguinte, encontrei-me com uma professora de Porto Alegre com os olhos azuis da cor do mar e a minha narrativa identificou-se com a dela. Soltamos o fio do riso e indignamos com a falta de bom senso da informante do ticket.
Logo mais à tarde, meus pés desfilavam numa palhoça a sentir o gosto típico de um prato à moda caseira. Na palhoça, eu que sou observadora e sensível, li a cor do riso de um moço com a pele marcada pelo sol teresinense, cuja pele dos pés abria-se pela dor, como alguém que bebeu a secura do cruel destino nas ruas ou na beira das pedras. Pensei: “Prosaico era o fio do riso da moça loira chupando chiclete feito vaca no capim molhado, ao passo que poético era o sorriso gordo e aberto do menino magro”. Era um sorriso enriquecedor. Traduzia uma luz germinada do fundo da alma.
Sobrevoei ao retorno de minhas raízes e todas essas imagens foram se mesclando entre a veia lírica das águas e as nuvens do céu. O fio do riso tornou-se pequeno em seu fio narrativo e diante da poesia abraçada ao fio celeste das águas piauienses e o sorriso sagrado do menino cor da noite.
[Fonte da foto: http://www.flogvip.net/lua_sol/4714633]