[Bláulio Tavares]

 


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Um subgênero interessante do conto fantástico são as histórias de final onírico. Numa narrativa protocolarmente realista começam a acontecer coisas estranhas, impossíveis. A narrativa avança, e quando chega ao clímax, nas últimas linhas, o autor diz: “Pois tudo aquilo tinha sido um sonho!”. Isto se tornou um clichê tão reiterativo que a enorme maioria dos manuais literários do tipo Como Escrever um Conto risca do mapa essa possibilidade, logo de cara: “Não faça isto! Todo mundo já fez! Ninguém aguenta mais!”.

Às vezes é um sonho propriamente dito, porque o protagonista adormeceu na poltrona. Outras vezes é uma alucinação provocada pela bebida ou alguma outra droga. Outras vezes uma história contada por um narrador pouco confiável (“Um esqueleto”, de Machado de Assis). Ou um estado de devaneio momentâneo, estado alterado de consciência que faz o personagem “viver” mentalmente uma situação surreal, mesmo desperto (“A chinela turca” de Machado de Assis). Ou então um delírio criativo de um escritor que confunde a realidade com as visões que registra no papel (“Demônios”, de Aluísio Azevedo). Mas o desfecho obedece à mesma mecânica: “não, caro leitor, nada disto aconteceu, era tudo uma ilusão”.

A crítica principal que se pode fazer a esse tipo de história é que ele se constitui numa espécie de fraude literária, onde o leitor é induzido a fazer um investimento de energia emocional (identificando-se com os personagens, preocupando-se com os perigos que correm, etc.) para no final ser informado de que esse investimento foi em vão, pois não havia nada em jogo. Argumento válido – mas contra ele pode-se dizer que, sendo assim, toda literatura é uma fraude, uma vez que nem Madame Bovary nem os irmãos Karamazov existem de fato, tudo não passou de um sonho sonhado de outra forma. (Dever de casa: Produzir um argumento irrefutável, contra ou a favor desse subgênero).

Creio que essas histórias são, antes de tudo, um sintoma. Um estudo sério da ficção fantástica precisa levá-las em conta, porque elas exprimem, a meu ver, a difícil negociação íntima do autor que tem uma idéia fantástica mas está escrevendo num contexto literário e social em que tais idéias são esnobadas ou temidas. O romance realista foi o clímax da literatura da burguesia, que expulsou do mundo (ou julgava ter expulsado) o sobrenatural, que a burguesia ascendente identificava com seu adversário histórico, a religião. O autor precisa, portanto, criar uma moldura realista para sua história visionária. O conto, por medida de precaução, começa “aqui” (o território do Real, literariamente permitido), vai para “lá” (o fantástico, o estranho, o maravilhoso) e no fim volta para “aqui”. A ida só é permitida se a volta for obrigatória. Existe um ensanduichamento da história (peço perdão por este termo bárbaro), para que o leitor não tenha que pegar com a mão no conteúdo fantástico, e o faça protegido pelas duas camadas de realismo que o protegem