Nasces das entranhas da terra
qual tíbio filete, no alto da serra,
longe dos olhos cuidadosos do pai.
Escorres das pálpebras do solo como lágrimas chorosas.
Do cimo do morro, onde mirrado brotaste,
empurra-te o vento e, rolando, desces.
Fraquinho, circulas, simulando um andar.
Aos poucos, porém, medras no teu caminhar.
As curvas te atraem e por elas te afoitas.
Teus caminhos, tu os rasgas no chão.
Não vês a quebrada da colina e te derramas,
gritando e sorrindo: ganhaste a liberdade.
Os passos que dás e te afastam da origem,
já não são do menino, do pirralho molenga;
mas te lançam adiante, para algum lugar.
O corpo que tens, tão delgado de outrora,
não lembra o daquele raquítico moleque.
Tomaste tenência, cresceste ligeiro.
Fagueiro, ora segues, por matas e campos,
caatingas e vales, sertões e cerrados.
Ao lado de companhias da estrada,
que contigo conversam e brincam, meninos.
Cidades atravessas num sono profundo.
Às vezes, nem ouves quando te cumprimentam
ou falam teu nome. Talvez não entendas
que te deram um; és, pois, conhecido.
Acorda, garoto, eles vão te prender!
Ah! Não te atormentas e ficas tranquilo?
Acaso imaginas que precisam de ti?
Se olhas para cima que céu lindo vês;
em volta, então, maravilhas sem par.
Se queres cantar para passar o tempo,
arruma-te, pois, que a orquestra está lá!
Tenores canoros de asas pintadas;
barítonos afinados de caudas vibrantes,
chamam o sabiá, regente altaneiro e
o velho “ferreiro” com sua percussão.
Com tantos maestros, não desafinarás.
O que tu nos dizes? Não podes parar?
Também te proibiram um andar preguiçoso?
Nem vais descansar, antes de seguir viagem,
devorando os muitos quilômetros do teu estradar?
E chega outra noite de luz prateada.
Da imensidão do infinito, estrelas te guiam.
Em verdade, te transformaste num incorrigível insone,
Inveterado boêmio: não tens paradeiro.
São elas companheiras do teu divagar.
E quanto mais andas, mais ainda queres ir.
Lombo lustroso, dorso esculpido: como és bonito.
Que mais queres tu?
Cresceste demais, não cabes no leito.
Rasgas as vestes, de todo estás nu.
Precisas de roupas, as águas te cobrem.
Glutão, fica calmo! Se não te fartares,
as chuvas de inverno te engordarão.
Esqueceste, teimoso! Bem feito para ti!
Teu corpo enorme inunda os banhados.
O imenso volume faz com que corras em desalinho.
Boiando, vais para onde quer que te levem.
Aos que te conhecem, resta um consolo:
não parece, mas és disciplinado; saciado, te conterás.
De fato, dias de dura escassez virão
e aproveitarás para cumprir regime de dor.
Então, estarás pronto para retomar teu destino;
entre festas e luto que terás pela frente.
Confortam-te os pássaros que contigo sofreram,
da obesidade à magreza de faquir que ora tens.
De flores se enfeita teu lindo horizonte.
Um merecido remanso voltas a ter.
Após aquela curva que te encobre a visão,
encontrarás teu futuro, razão de existires.
Nas águas salgadas tu te lançarás.
De mãos espalmadas, agradecerás tantas graças.
E abraçado a teu pai, seguirão como um só.
A propósito, teu nome, aos que vão te chamar,
é RIO PARNAÍBA, O FILHO DO MAR.

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense
([email protected])