O feirante

[Chagas Botelho]

 

Acompanhei o hábito dominical de um feirante. Uma rotina que se repete semanalmente, e que julguei ser interessante compartilhar.

Sete horas da manhã. O feirante vai até a prateleira do mercadinho e de lá, afetuoso, retira uma garrafa de vinho das mais em conta. Dirige-se ao freezer da Kibon, e afunda a bebida entre sacos de gelo. Pronto. O produto etílico ficará ali hibernando por horas, até a sua retirada.

Enquanto o gelo acarinha a garrafa, o feirante, sob o sol cáustico de outubro, comercializa seus produtos. Milho verde, abóbora alaranjada, tomates avermelhados e outras verduras e frutos. Uma freguesa enfezada reclama da carestia. Outro freguês se aborrece pela demora do atendimento. Um pivete que está ao lado, afônico, grita: “olha a laranja, senhor. Olha a laranja”. Cada um vende seu peixe como pode. E todo mundo, pela sobrevivência, vende e compra da mesma forma.

A essa altura, o feirante observado, está com a camisa ensopada. O bolso frontal da calça abarrotado de cédulas miúdas. As chinelas estão encardidas de cisco e fuligem. Ele enxuga o suor da testa numa flanela descolorida. Adocica a boca seca com uma fatia de melancia da banca vizinha. Depois, olha o céu azul-anil e vê o sol quase a pino.  Ainda há tempo para mercantilizar. Vocifera então um: “venha, venha, pois, tudo está acabando”.

A sirene imaginária anuncia o fim da feira. O franzino feirante envolve seu carrinho num plástico escuro. Verduras e frutas, as que sobraram, serão vendidas ou consumidas. Ainda não se sabe o paradeiro delas. A verdade é que não há sobras e nem desperdícios em terras miseráveis. Tudo é rigorosamente aproveitável.

O tabuleiro plastificado é empurrado até a porta do mercadinho. Com seus pneus de aros humildes é estacionado ao lado de carros importados. O nosso homem estudado adentra o estabelecimento com suas canelas cheias de varizes. Vai ao freezer retirar seu vinho de mesa, há horas deixado lá. A temperatura está no grau certo para ser ingerido no almoço.

Tão suave quanto o líquido da garrafa, o feirante, desembolsa o dinheiro sobre o balcão. Exibe um sorriso cheio de dentes tortos para a mocinha do caixa. E sai com o vasilhame debaixo do braço em direção ao seu transporte de duas rodas. Findada mais uma manhã de fardo. Então, exaurido, ele empurra seu meio de vida até eu perdê-lo de vista.