Cunha e Silva Filho

 

      Ninguém pode negar o grande passo dado a milhões de pessoas que, no Face, como é com certa intimidade tratada essa rede social, trocam ideias e se comunicam por escrito. E não seria exagerado afirmar: grande chance tem o usuário de poder expressar-se livremente tanto quanto possível através desse meio grandioso que - não podemos esconder esse fato - possui, sim, seus defeitos quando empregado para fazer o mal. No entanto, o saldo é positivíssimo. Tornou-se um modo autodidático de levar as pessoas a pesquisar, refletir, organizar seu pensamento, muitas vezes de forma extraordinária dependendo do talento e da competência de cada um.
      Algumas vezes, me queixei de que o Face seria um espaço para futilidades,  fofoca e exibicionismo. Pode até ser em alguns aspectos, mas, no geral, é uma fonte geradora de ideias, de discussões, de expressão livre do pensamento, ainda que o seu seja algumas vezes discordante de outros. Pouco importa.
       O que é evidente é sua capacidade aglutinadora, de fórum de debates, de permitir o extravasamento da indignação contra injustiças, de divulgar ideias iluminadoras, de suscitar novos ângulos de ler o mundo, as pessoas. Todos os aspectos do cotidiano nacional ou mesmo do exterior no Face podem ser veiculados com erros, com acertos, mas sempre com a liberdade dos que pensam de forma igual ou diferentemente. O Face vive desses contrates, dessa espécie de “melting pot” de fatos e acontecimentos que atiçam a curiosidade e a intervenção por escrito dos indivíduos. O Face veio para ficar.
        Já se disse que ele estava alimentando o mau hábito de escrever errado ou de forma excessivamente abreviada. Qual nada!” Tenho lido textos, trechos, frases que bem poderiam ser assinados por bons jornalistas, escritores, cronistas, pensadores, filósofos, poetas, dramaturgos, cientistas, enfim, profissionais de várias áreas, enfim,  uma gama de pessoas comuns ou com  maior ou menor   visibilidade. Porém, refuto esse argumento visto que o usuário, ao escrever, em geral, de maneira rápida, nesse ritmo fortalece a habilidade de selecionar ideias, formas de escrita, sentido de concisão e coerência a fim de poder organizar os enunciados.
          Politicamente, o Face muito tem ajudado a evitar o pensamento chamado “único”, mostrando, através de seus diversos usuários, que aquele é múltiplo e nenhuma ideia semanticamente unívoca pode ser geradora de avanços em qualquer campo da inteligência. Reconhecer o outro, o diferente, ainda que possamos achar que ele está errado, é não perceber que algumas ideias podem ser relativizadas. O pensamento único é próprio dos governos antidemocráticos, que julgam o mundo sob um só lado, uma só dimensão. Sua natureza tem traços fascistas, autoritários, absolutistas. O pensamento deve ser exercido de modo construtivo, dialeticamente, sem donos das verdades.
       Outro papel saliente do Face é conceder a possibilidade de liberdade de crenças, religiosas, políticas, filosóficas, de modos de vida, de mostrar diversidades culturais, nacionais, universais. .
        É pena que o Face possa por vezes levar, como já aludi linhas atrás, a certo exibicionismo, excessos de narcisismos, exposições sensualistas que não se ajustam a uma  ética desejável neste sentido. Mas, o que centraliza a linha deste artigo são os pontos qualitativos do usos da linguagem, do treinamento, do escrever continuadamente e ao mesmo tempo do ler o que se escreve nessa rede social. Ler e escrever são habilidades que se harmonizam e só produzem  melhoria de nível de escrita, propiciando a “fluência” da linguagem escrita. Acredito que em nenhum tempo antes da internet o mundo tenha  escrito tanto.
     A prática da redação, diria positivamente forçada, a fim de dar conta de uma pergunta e de um fato ilustrativo de um texto, de um vídeo, veio auxiliar enormemente o ato da escrita e, em consequência, melhorar o uso da linguagem das pessoas.Não sei se a ciência linguística já havia previsto essa mudança revolucionária da comunicação virtual.
    Deixando de lado o mau uso da internet e das redes sociais, os ganhos com o mundo virtual são incalculáveis. Depois da Imprensa de Gutemberg, a internet é a segunda mais importante invenção do mundo da comunicação. E imagine o leitor que, a princípio, este colunista até tinha receio de não aprender a lidar com o básico do computador.Veja-se o função informativa do Google. Não obstante nele muita coisa não seja fonte segura, não deixa de ser um instrumento valiosíssimo de pesquisa, em muitos casos fazendo as vezes de verdadeiras bibliotecas. além disso, pondo o usuário, em fração de segundos, com dados que esteja procurando.
    O Google é uma gigantesca obra de referência, indispensável a varias categorias de profissionais no mundo inteiro. É claro que é um work in progress. Contudo, como não haveria de ser se o mundo atual, o da  pressa, do imediatismo (com muitas negativas desvantagens para os mortais) sem a invenção do computador e de todos os seus desdobramentos tecnológicos? 
     Não aconselho  que os viciados no Face e em outras redes sociais abandonem esses recursos, mas que o utilizem com moderação, porquanto eles tomam muito o nosso precioso tempo.
Não o substituam pelo contato pessoal, que é muito mais importante e não tem substituto à altura. As amizades têm que ser cultivadas no tête-à-tête, de preferência. O Face, para as muitas funções a que me referi. Da mesma sorte, outras mídias escritas não podem ser nunca negligenciadas, os jornais, as revistas, os livros impressos, as exposições, as feiras de livros, as visitas aos museus, as vernissages, o cinema, o teatro, o circo, a conferência presencial, a televisão, o rádio. O grande barato é saber como combinar de maneira harmônica, sem excessos de preferência, todos esses meios de comunicação, de conhecimento, de saber.
   O professor de língua portuguesa, ou, para outros, de língua brasileira, deve estar atento a tudo isso. Na multiplicidade de recursos audiovisuais, virtuais, escritos, falados, há que saber dizer onde um deve ser de preferência usado, e principalmente o professor competente há de saber como lidar com proveito e sem discriminações com todo esse enorme leque de opções em que a língua falada se contamina com a escrita de modos variados, a par de ainda ter que situar bem o papel da língua literária, seu estudo e sua prática de leitura e hermenêutica. Tudo isso não deixa de ser um vigoroso desafio: encontrar elos sem embaralhá-los e confundir a cabeça dos jovens e adultos no sentido de conquistar, simples e didaticamente o uso multifacetado da língua na situação própria e desejável.
  O que nunca será de bom alvitre é dificultar o estudo da gramática e a prática da redação empregando uma metalinguagem que às vezes me parece competir com o jargão tecnicista-terminológico das ciências. Tecnicalidades em demasia não são, por si só,  necessários componentes  de atualização e renovação na práxis do estudo da língua e no manejo de expressar o pensamento do espírito humano. Ao alto  nível dos  estudos  linguisticos  não  tem  correspondido  uma  melhora  significativa na  redação   dos estudantes   brasileiros  quando são  chamados a redigir um texto de um tema.  Veja-se o resultando  da última  prova do ENEN, na qual, na redação,  quinhentos  mil estudantes    obtiveram  nota  zero!

  .A teoria linguística não deve nem  pode competir simplesmente  pelo  fato de que a linguagem  da tecnologia e  a da ciência se tornaram impermeáveis aos  não-iniciados. A linguagem da comunicação  entre os  indivíduos não deve  nem  pode  rivallizar com  o jargão  terminológico  da ciência e da  tecnologia.  O caminho mais adequado é o progresso nos estudos linguísticos sem os vezos ainda remanescentes do estruturalismo que, pelo exagero e ensinamento mal conduzido, apavorou, pelo menos, a minha geração nos anos setenta.