CUNHA E SILVA FILHO

O ESPELHO DE CARROL: AUTORES PIAUIENSES

CUNHA E SILVA FILHO

Ex-professor de literatura brasileira e de língua inglesa da Universidade Castelo Branco (UCB). Professor concursado, aposentado,Titular de língua inglesa do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Pós-Doutor em literatura comparada (UFRJ0; Doutor e Mestre em literatura brasileira (UFRJ) e Bacharel e Licenciado em Letras (português-inglês) pela UFRJ. Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia (ABRAfil)

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O ESPELHO DE CARROLL

(Ensaios, resenhas e artigos sobre autores piauienses)

Rio de Janeiro,RJ.

2025

CUNHA E SILVA FILHO é Pós-Doutor em Literatura Comparada (UFRJ). Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Brasileira, UFRJ). Mestre em Literatura Brasileira (UFRJ). Licenciado em Português-Inglês (UFRJ). Titular de língua inglesa aposentado do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Lecionou Literatura Brasileira e língua inglesa na Universidade Castelo Branco (UCB). Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia. Ensaísta, crítico literário, cronista, tradutor, articulista.

HOMENAGENS ESPECIAIS

À memória imarcescível de meus pais, Cunha e Silva e Ivone Seúbal e Silva

À minha esposa, Elza, que, com as suas orações diárias para mim, me protege com a sua fé inabalada e com o sentimento da presença de Deus

Aos meus filhos, Francisco Cunha Neto e Alexandre, pelo que são e não pelo que poderiam ser. Todo filho é uma dádiva de Deus

Ao laborioso e fecundo escritor Dílson Lages Monteiro

Ao Geovane Fernandes Monteiro, um talento de ficciconista

(...) Para o futuro da literatura piauiense, podemos ter grandes críticos literários com a continuidade do desenvolvimento cultural do Piauí, pois neles existem professores de português e literatura que, com o passar do tempo, poderão aprofundar-se na ciência linguística e no domínio do latim e grego. O crítico literário tem que ser imparcial (...) (

CUNHA E SILVA, CRÍTICOS. Trecho de um artigo de meu pai publicado em jornal de Teresina, s.d.

PREFÁCIO

Escrever é, amiúde, um ato de pura coragem, sobretudo quando isso implica assumir posições firmes no terreno das ideias sociais, políticas, ideológicas e estéticas. Isso em razão de que, por vezes, não é factível o isolamento total da subjetividade no ato do julgamento, i. e., no ato crítico, para ser mais exato. Ser-nos-ia impossível não fazer uso algum da subjetividade diante da criação literária, cuja dinâmica recai na emoção, na fruição de um objeto estético, ou seja, da beleza de um artefato artístico.

A impessoalidade nos julgamentos tornar-se-ia, então, algo gélido, asséptico, incolor, imensurável, insensível, destruidor, implacável dos sentimentos humanos, visto que somente, a meu juízo, através dos móveis de nossas fibras interiores, do nosso sistema nervoso, do nosso cérebro acionados por nossa psique e pelo lado da sensibilidade é que se poderia tentar localizar a origem do fenômeno da criação literária.

Seria, me pergunto, o equacionamento do ato criativo um tema aberto e ainda fecundo, uma espécie de “vexatio questio” não resolvida, até hoje, devidamente pelos teóricos da literatura, mas apenas um tema suscetível de amplas e densas reflexões acerca do fenômeno da criação literária que possa ainda pairar na cabeça de alguns teóricos do passado e também do presente, nacionais ou estrangeiros?

A propósito dessa questão crucial, as ideia sobre o tema da criação literária foi vista por Antonio Candido de um forma, até diria, algo aparentemente simplista, o que é apenas uma mera suposição desavisada. O tema dessa questão envolvendo conceitos teóricos, sem hermetismos de exposição, nos quais elementos estruturantes, se bem articuladas e coesos, vão plasmar e definir uma obra com qualidades estéticas Com a licença de o parafrasear, ensina o crítico e historiador de Formação da literatura Brasileira:”

O elemento extrínseco passa a ser intrínseco na esfera do espírito e não apenas da matéria finita, algo inescapável ao raciocínio puro, o chamado “mistério “ da criação literária.(Ver CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo ,p.4.).

O Modernismo é, como sabemos, produto derivado das diversas correntes do pensamento crítico ocidental, e simultaneamente como memória involuntária e automática, estes resquícios do Modernismo brasileiro de 1922, mais conhecido como a famosa Semana de Arte Moderna, em e São Paulo, mal resolvido, por diversos motivos não despiciendos, como praticamente a ausência da massa popular, de resto, protagonistas que deveriam ser ouvidos pelos nossos governantes de planto, i,e, os “merdunchos” de personagens da vida malandra paulista-carioca, oriundos da extrema pobreza, tão esteticamente concebidas pelo escritor paulista-carioca João Antônio (1937-1996).

São personagens com autenticidade e autonomia no que diz respeito à vivacidade e individualidades às suas vozes presentes, personagens bem realizados na narrativa joãoantoniana. Personagens que artisticamente se distinguiram como protagonistas dos mais despossuídos, dos deserdados da sorte em dissonância com o vértice da pirâmide social, justamente por serem verossímeis e não como "puppet shows", ou ventríloquos sem alma nem vida, nem tampouco sentimentos.

Os antigos “heróis” do romance linear, do narrador onisciente, do demiurgo, em sua maioria, já à altura do século XIX e séculos anteriores faziam da vida social e nela exerciam funções nos períodos do Vice-reinado e, depois, nos dois Impérios que o Brasil conheceu Era protagonistas que se distinguidos por alguma nobreza, por sua posição cultural ou por sua boa situação financeira tanto na cidade quanto no campo, nas fazendas, Ao contrário, os anti-heróis de então, já davam sinais nessas histórias, porém não tinham voz ativa, em razão das condição de pobres ou mesmo de escravos. Em Teixeira de Sousa, Manuel Antônio de Almeida, Macedo, José de Alencar e Bernardo Guimarães o povo não tinha voz nem vez no desdobramento da narrativa tanto quanto no protagonismo da trama ou enredo.

Os dominados eram apenas figurantes e, por conseguinte, sempre submissos aos patrões sem autonomia alguma no romance ou novela,. Era a época dos folhetins publicados semanalmente em jornais, com fazem as novelas televisivas hoje chamadas de “folhetins eletrônicos,” sintagma cunhado pelo crítico Afrânio Coutinho (1911--2000) que, segundo ele, inaugura, entre nós, um novo gênero literário. “ .. um misto do antigo folhetim, ficção, teatro e cinema...”() de larga repercussão junto a diversas camadas da sociedade brasileira.

Os folhetins do século XIX tiveram como modelo o que na França se cultivava na através de autores como Eugène Sue,(1804-1857) com a sua obra mais conhecida Mistérios de Paris. com os seus "feuilletons", semanais. A voz do narrador se sobrepunha às vozes silenciados dos personagens humildes

Só a partir de Manuel Antônio de Almeida, com o delicioso e divertido romance Memórias de um sargento de milícías (1893), do citado Manuel Antônio de Almeida, a narrativa mostra evidentes traços picarescos, na qual o protagonista é um exemplo de malandro brasileiro, inaugurando uma galeria de personagens que atravessariam várias fases da narrativa brasileira, indo desaguar nas histórias de malandragem de que a literatura brasileira literariamente se enriqueceu, ou seja, de o malandro Leonardo, como protagonismo na história personagens de baixa extração social.

Foi, assim, que essas vozes, antes subalternas, tomaram-se visíveis no desenrolar da s histórias, em centenários nos quais com tal mudança, essas vozes tomaram as rédeas da narrativa com os aportes de estratégias e técnicas vigentes no século XIX ou anteriores da literatura universal e, por tabela, da brasileira.

Até aproximadamente o chamado Pré-Modernismo, incluindo Lima Barreto e os regionalistas do Norte ao Sul do país, a fala dos diálogos era apenas um reprodução, um tanto grosseira, e sem nenhum renovação impactante na renovação da linguagem, literária, conforme vimos decalcada da prosódia e do uso linguístico-expressivo-estilístico-semântico na prosa de ficção, exceto com o uso do linguajar dos regionalistas, inclusive com o largo emprego do regionalismo os falares do brasileiro, da fala dos personagens de natureza de registro miméticos.

Deste modo, Igual à chamada “pronúncia figurada” (“market pronunciation”) que ainda hoje não haviam aderido às inovações de métodos de ensino de línguas estrangerias ao modo científico propugnado pela International Phonetic Association) que já vemos em excelentes obras didáticas acompanhadas de gravações, primeiro em discos de vinil, em seguida em fitas e, posteriormente, em CDs DVDs, filmes filmes com imagens fixas, filmes com desenho animado, e, finalmente, filmes com imagens móveis, tal qual vemos no cinema.

Através dessas ferramentas conhecemos progresso tecnológico do ensino de línguas vivas. Inclusive com um bom nível de tradutor mecânico de resolução instantânea podíamos contar com novas realia destinadas ao alunos de língua gravadas por nativos, Isso foi um verdearia revolução no modus operandi de lidar com metodologias de idiomas estrangeiros. Com o auxíio de gravações de nativos de uma língua a fim de que se pudesse ter um modelo mais eficaz de conseguir a entonação, o ritmo dos falantes estrangeiros.

Isso foi um grande salto de qualidade nos estudos de línguas modernas e até antigas. Podemos ver em livro práticos para os estudos de línguas modernas e com traços meramente pitorescos e apenas com a intenção do narrador de destacar um forma de usar um registro não normativo, a fim de caracterizar um registo popular tanto urbano quanto no interior. Imitativo e artificial, esse tipo de registro linguístico oral só avançou muito tempo depois, ou seja, já com Mário de Andrade, Guimarães Rosa e sobretudo com os escritores muito preocupados em estilizar sua narrativa pontuando-a com uma maneira inovadora de utilizar a línguas literária. Porém de forma criativa como o tinha feito Guimarães Rosa em suas obras “ estilizando” (Assis Brasil) o uso da língua literária culta em língua literária criativa e muito pessoal.

O contista João Antônio fez o mesmo com relação à estilização da linguagem dos malandros em que enunciado e enunciação se fundem num estilo de linguagem literária que fosse se ajustar ao universo da malandragem paulista-carioca . só que no meio urbano, ao passo que em Guimaraes Rosa se verificou tal fato no serão mineiro. Ambos , pois, são criadores de linguagens revolucionárias sem que essa forma de expressão da linguagem literária se tornasse hermética ou ilegível ao receptor. Muito ao contrário, os dois mencionados escritores nos devolveram como fruição das histórias contadas num modo equivalente de estar lendo um história narrada e com uma autenticidade de diálogos muito convincentes dos tipos de linguagem observada nos diálogos apropriados ao universo linguístico particularizado em ambos os ficcionistas mencionados.

Dois críticos, Paulo Rónai e Antonio Candido haviam dedicado finas observações sobre o comportamento da linguagem nesse dois escritores e eu, por coincidência, já havia chegado às mesmas conclusões daqueles dois críticos, antes mesmo de haver eu lido ensaios dos dois críticos mencionados.

Ora, algo que o nosso mundo interior, por vezes, quase insondável, incognoscível, jamais perderá perder: o elo, o contato, com a importância formidável dos sentimentos múltiplos e necessários a fim de se evitar o vazio e o banalidade do primado da razão e da lógica consideradas como vigas mestras da produção artística, porém não isoladas das emoções - traços altamente deflagradores, juntamente com a experiência de vida e a interação dos seres vivos humanos., uma vez que os tempos de caça às bruxas, voláteis, caracterizando uma realidade ficcional diluidora dos indivíduos na sociedade massificada e globalizada retratada por Aldous Huxley no Brave new world..

Ou, por outra, do ponto de vista ideológico, assistimos ao esmagamento do indivíduo devido a uma série de retrocessos nos planos individual e coletivo, conforme vemos naquelas alusões a grandes figuras s históricas da Humanidade , não faltando o mais importante dele , Jesus Cristo, utilizadas, de forma tão apropriada pelo ator e estudioso de filosofia Carlos Albert Nunes no final de sua conferência, pronunciada nos anos 1970, de título “ O aniquilamento do eu”. Sobre essa conferência me posicionei em artigo publicado no Jornal Estado do Piauí do mesmo ano.

Assim só para ilustrar uma vez nesta oportunidade que me faculta esse parágrafo, como podem, repito, homens dotados de competências e saberes acadêmicos, verdadeiros scholars, de enraizada fundamentação e competência linguístico-literária, enfeixando nas suas mãos as mais diversas correntes do pensamento e das ideias literárias e filosóficas, as teorias mais avançadas sobre narratividade além-mar, aventar a escrever um romance, e o resultado não ser mais do que um fiasco, um encalhe, já que esse suposto artista do gênero da visão da totalidade( Lukács) do mundo só foi acolhido para uma resenha entre grupinhos e feudozinhos graças à amizade que os acadêmicos eruditos, iguais a ele, tinham com alguns de seus pares por dentro dos muros inexpugnáveis da universidade.

A ficção forçada, conseguida num laboratório de inteligência artficial, não passa de um simulacro ou um arremedo de ficcionalidade justamente em face de que a obra literária não conseguiu ser fecundada espontaneamente com o húmus da terra e da Mãe-Natureza. O artificial não deu nem dará certo no domínio artístico. Isso vale para todos os gêneros literários e artísticos. Falta-lhe o espírito da vida e a manipulação hábil e vocacional de se adequar ao Zeitgeist. O artefato literário da pseudonarratividade daí decorrente é ditado pelo desejo narcísico da variabilidade intelectual

O que, por si só, afastaria a possibilidade de extrair o sumo da vida humana, a emoção estética, a fruição da leitura, o “prazer do texto,” cativante e aliciante de querer transpor e lograr penetrar o "locu"s privilegiado do “espelho de Carroll.” No cômputo dos elementos amolgados de forma harmoniosa e respeitada a unidade das partes da estrutura da obra é que reside a força da imaginação criadora inventiva, verossímil.

O alvo a ser atingido é a grandeza construída pelo talento do autor e/ou do artista em geral, visando à perfeição, ao máximo que se puder levar ao convencimento de que se está diante de um produto vivo e bem arquitetado tendo em conta atingir a consciência artística dos homens e da realidade que os cerca em formas diversificadas de produção.

Ou seja, nos vários gêneros, pelos quais se pode exprimir a complexidade do mundo e dos homens através da leitura de romances, novelas, peças teatrais, dança, música, novelas de televisão classificada esta última, com justa razão, pelo crítico e historiador de literatura brasileira, Afrânio Coutinho (1911-2000), como mais uma espécie de gênero literário, o "ersatz" que deu certo na sequência histórica do romance-folhetim do século XIX. A história das grandes novelas brasileiras se tornou, sem dúvida, uma "epoch-making" da televisão brasileira graças aos talento de seus autores e à performance de grandes atores e atrizes brasileiros.

Por outro lado, é inegável o fato de que nenhum criador de obras literárias e artísticas em geral, não se melindrem diante dos juízos críticos desfavoráveis e dos juízos críticos de valores de um determinado autor.

, Uma pesquisadora da literatura, em livro lido, estava preocupada com a triste realidade da crítica contemporânea, a qual, segundo ela, prioriza somente o que se considerou a dimensão favorável de um livro, mas nunca os seus defeitos e pontos fracos. Provavelmente, por motivos de publicidade, midiáticos, onde tudo vira lucratividade. Estamos pobres de críticos do tipo que já tivemos, aproximadamente, dos anos 1940 até aos anos de 1970, por aí.

À análise objetiva, imparcial e isenta de uma obra preferimos o laudatório cômodo e fácil. Diversos críticos brasileiros, depois de um certo tempo de “judicatura” (palavra que primeiro vi nas inúmeras leituras e releituras do crítico Álvaro Lins ( 1912-1960) quando dos meus estudos no meu pós-doutorado pela U.F.R.J. Essa época de ouro da história da crítica literária brasileira se chamava de crítica de rodapé(). O artigo tem por título “Os autores só querem elogios.”

Ora, esta postura do autor/a vai na contramão de um artigo meu, cujo título é de natureza artística e discute esta – diria -, questão muito comum de perceber em alguma atitude de afastamento ou silêncio, o que equivaleria a afirmar ser esse silêncio de algum autor devido a possíveis reparos que, de ordinário, os melindram por motivos da vaidade ferida. Os autores discordam ( é direito deles, não posso sobre isso opinar) das falhas assinaladas da crítica e principalmente da visão hermenêutica do crítico, por serem muito vaidosos, por amor próprio, por mero narcisismo. Por esta razão, até compreendo, os melindres e discordâncias diante de julgamentos e juízos de valores.

Divido esta obra por capítulos nos quis nomeio cada autor a ser analisado ou comentado. São, ao todo, 25 escritores. Obviamente, por viver afastado do Piauí, não pude acompanhar, pari passu, os movimentos literários que ocorreram nestas últimos quase seis décadas. Por conseguinte, não pude realizar uma pesquisa de maior monta no sentido de tomar uma autor e acompanhar a sua trajetória de forma mais abrangente.

Daí que alguns autores aqui tiveram um tratamento, literariamente considerado, mais profundo , ao passo que outros só pude analisar a partir da leitura de uma ou duas obras, o que iria se refletir num ensaio menos denso. Outros autores, e não são poucos, de reconhecido valor estético nos gêneros por eles cultivados, ficaram à margem, não porque os considerasse de menor qualidade literária, de menor importância, mas em virtude de não ter tido a oportunidade de os estudar com o mesmo interesse que mereciam.

Esta obra, por uma circunstância ou outra, é o resultado de meu interesse há muito tempo pela literatura de autores da minha terra. Os escritores aqui examinados são apenas partes do que pretendia realizar como, por exemplo, o fez o notável ensaísta Gilberto Mendonça Telles em Goiás e muitos outros de diferentes regiões brasileiras.

Este volume será seguido de um segundo volume, no qual bons e ótimos escritores surgidos no Piauí serão contemplados, conforme já anunciei no Site Portal Entretextos, onde tenho uma coluna “cativa” chamada Letra Viva ( Que belo nome deram à minha Coluna).