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ROGEL SAMUEL

 


 Neste Primeiro de Maio me lembro: O escritor de crônicas é o construtor do efêmero. Seu texto vai ser esquecido no dia seguinte. Diferente do romancista, que possui a ânsia de imortalidade. A crônica de jornal, no mesmo dia em que nasce, já está a morrer. Como as flores, dizia Shakespeare. Nada mais virtual. É claro que existiram Rubem Braga e Machado (tenho lido o segundo volume de "A semana", uma obra-prima do gênero). Mas gênio não conta. Está fora da regra, fora do parâmetro humano. Como Mozart, que estou ouvindo agora. Como referir-se sem exagero a Mozart? A crônica do acontecimento, principalmente, morre logo, cedo. "Eu não sabia que você gostava de escrever crônica", disse uma amiga. "Eu não gosto da sua poesia, disse outra (a Clarisse), mas leio suas "crônicas de sábado". Quando eu era jovem, e ainda morava em Manaus, mantinha uma coluna diária na Gazeta, um jornal da época. Não tenho nenhum recorte disso. Lembro-me de que lá escrevia, "também",  Ramayana de Chevalier, autor de "No circo sem teto da Amazônia". Ele escrevia umas coisas violentíssimas contra o governo. Era pai de Scarlet Moon.  Quase toda a minha "produção" daquela época se perdeu (e não se perdeu grande coisa). Havia um cronista em Manaus chamado Afonso de Carvalho. Ele talvez foi o melhor prosador da literatura amazonense. Só publicou crônicas. Eu tenho vontade de pedir um dia para o dono do maior jornal de Manaus (que por sinal é seu parente), o matutino A crítica, onde Afonso publicou a maioria de suas crônicas para que o republique. Hoje ninguém o conhece. Nenhuma história da literatura. Nem mesmo os  professores de "literatura amazonense" da Universidade do Amazonas (matéria que existia mesmo). Nunca o leram! Nem ouviram falar... Eu mesmo testei, um dia. E por quê? Porque era "apenas" um cronista (ainda que publicou seus livros de crônica). O único lugar em que Afonso, que foi meu amigo, apesar de ter idade para ser meu pai, pode ser lido, é no nosso blog (vou publicar, com direito a foto, com cigarro na boca, conforme o figurino de Clark Glabe da época). O único  intelectual que o reconhece é Luiz Bacellar. O poeta. Afonso de Carvalho publicou alguns livros. Só tenho "Vozes azuis" e "A lua é dos pobres". Nem no livro do Arthur Engrácio ele está (e onde estou). Engrácio também era meu amigo, embora nunca o vi. Nós nos comunicávamos por carta. Um dia, encontrei um conto dele numa antologia nos Estados Unidos. Ele nem sabia. Há vários escritores brasileiros conhecidos nos EUA. Em Portland, no Oregon, visitei a maior livraria que já vi. Tinha a dimensão de um supermercado de dois andares. Um quarteto de cordas tocava, ao vivo. Lá comprei Galvez, do Márcio, em inglês, para o meu amigo Christopher Schlindler, o pianista. Chris é um poliglota. Fala a maioria das línguas, inclusive japonês. Conhece tibetano. Fala um português quase sem acento. Sua mulher, Chrystal, se dedica ao latim e ao grego. A casa deles é de madeira. Pintada de vermelho. Americano tem mania de casa de madeira, antigas de cem anos. Quando se anda no segundo andar, toda a casa soa. Estremece. O porão é cheio de objetos e antiguidades que a Chrystal coleciona. Ela é avaliadora dessas coisas. A imensa biblioteca fica no térreo. E o piano. Com eles fiz, várias vezes, a deliciosa "garage sell", que é a venda de coisas que as donas de casa americanas não querem e as vendem, na garage, onde montam uma feira,

 

certos dias. Tudo muito barato. A vida americana é calma e suave, ali em Portland, a cidade das rosas. Como em Poços de Caldas. Nada que se pareça com a violência dos filmes americanos. Dirige-se devagar. Algumas pessoas saem sem fechar as janelas de suas casas. Há flores e áreas verdes em toda parte. Tudo muito diferente de Miami. Detesto Miami. Terra de gangster. Em Miami a polícia nos olha, a nós sul-americanos, como se todos fôssemos traficantes, bandidos. No Oregon não, você está em paz. Há montanhas pacíficas. Há o monte Hood, um monumento de neve, no horizonte. As camélias e os rododendrons. O republicanos colocam a bandeira americana no telhado. Nunca vi um brasileiro colocar o verde-amarelo estandarte no telhado no Brasil. Vai ver que é até proibido por lei. 


Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem rôto na batalha
Que servires a um povo de mortalha!...

Eu sempre achei que, se Castro Alves tivesse escrito esses versos na época da ditadura militar brasileira, seria imediatamente preso, por ofensa à bandeira nacional. Mas não mais, crônica, que a lira tenho cansada, e a voz enrouquecida. E não do canto.