Petulantemente, declaro minha conclusão: não existe perfeição total nem na própria natureza.
 Quando, de modo exclusivo, atribuiu ao homem a faculdade da  inteligência,  enquanto o dotava de  incomensurável carga de egoísmo; ao não desativar nele o lado maléfico não  racional  que lhe permite agir violenta e irascivelmente, extrapolando os limites da autodefesa, cometeu um terrível equívoco. Num esgar de natural justificativa, quem sabe não tivesse ela  concluído que esses pequenos erros de cálculo, resquícios da inédita formatação, impurezas do material industrial, ao longo do tempo, num procedimento evolutivo, seriam liberados.
  Contrariando-a, porém, o que vemos na espécie humana são essas falhas convertendo-se em caracteres não recessivos, transformando-a em principal vítima num processo inusitado de involução.  Talvez tenha sido impensável, mesmo para o padrão  divino, a previsão de que, para desenvolver-se integralmente, continuadamente, precisava a criatura ter seus impulsos instintivos, aos quais prefere, inadvertidamente, por vezes chamar  estímulos criadores, refreados. Prova dessa necessidade de controle externo é-nos apresentada diuturnamente:  diversas ações humanas, surpreendentemente, reputam-se como lucubrações ilógicas e irracionais.
 Ao premiar os verdadeiros animais com o desuso do tirocínio, da manifestação verbal, emudecendo-os, livrando-os tanto dos bons quanto de pensamentos mesquinhos; dotando-os de características específicas, provavelmente resultante de um processo mais depurado e eficaz de racionalidade e inteligência, permitiu-lhes a natureza compreender, independentemente de óbvia percepção intelectual, somática ou voluntária que, para se manterem permanentemente inseridos numa sociedade ou comunidade, teriam que institucionalizar, sem burocracia nem desinteligente retrocesso, mas organizadamente, interdependência e solidariedade plenas. De modo a  continuar honesta em seus propósitos, apetrechou-lhes de  privilégios físicos, estratégicos e de uma interessantíssima irracionalidade funcional.
 Imaginando-se o homem, porque lhe disseram ser imagem e semelhança do criador, ainda que tal similitude apenas acolha na parte que lhe convém - onisciência, poder supremo - o melhor preparado dos seres vivos, entendeu que a ele os demais deveriam servir.  Não raro, num ato extremado, embora inacabado, de egocentrismo, chega ao auge de julgar a si mesmo, personalisticamente, dono da força motriz de todas as coisas e, a partir desse devaneio, não titubeia em desrespeitar a ordem natural preestabelecida. Entre suas presas,   percebeu que poderia incluir, a fim de sufocar ou agrilhoar, seus semelhantes. Semeia o caos sem se preocupar  com o fato de estar preparando o próprio holocausto.
 A natureza não volta atrás porque anda em círculos. Tampouco esquece o que lhe fazem. Não é vingativa nem tem necessidade disso, pois é infinitamente superior a toda e qualquer forma de poder. Não há  potência industrial, tecnológica ou intelectual,  existente e por existir, que lhe sobrepuje. É capaz de converter erva daninha na mais predatória das plantas carnívoras; da simples brisa, faz soprar o temível tufão; a gota d’água transforma numa tempestade ou tromba gigantesca.
 O deslize - talvez somente visto por indivíduos insignificantes - de ter concebido um ente inteligente, mas,  ao mesmo tempo, egoísta , logo, imperfeito, certamente, decorreu da tentativa de fazer justiça: entregar o domínio lógico, racional e pleno de todas as potencialidades naturais a um ser criado com essa atribuição, por conseguinte, confiável. Resta-nos perceber, enquanto traste mesquinho e ingrato, que brincar de criador é uma temeridade. O sopro da pseudocriação pode ser varrido pelo bafo da destruição divina, assim a mãe natureza deseje. Urge reconhecermo-nos incapazes de dar o passo seguinte se, para isso, não houvermos recebido autorização superior.
Imaginarmo-nos o maior dentre todos  extrapola os parâmetros dentro dos quais fomos modelados.
    Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense
    
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