Uma aventura do sinistro Dr. Brian Max


Miguel Carqueija


    O advogado Brian Max, o sombrio, caminhou pelos corredores mal iluminados e ao aproximar-se dos elevadores viu um casal do outro lado, despedindo-se apressadamente. O homem sumiu e a mulher veio na direção dos elevadores, tendo Mr. Max já apertado o botão para descer. O lugar era meio sórdido e Mr. Max tinha pressa em se ver na rua. Carregava uma pasta preta, quase tão velha quanto ele próprio.
    O elevador, bastante velho, chegou e a porta se abriu. Mister Max entrou apressado, estranhando a ausência do cabineiro, e estendeu a mão para o botão do andar térreo. Então a mulher entrou como um bólido e premiu o botão do nono andar. O ascensor começou a descer e deu uns sacolejões, parando definitivamente entre o quarto e o quinto andares.
    Seguiu-se um instante de embaraçoso silêncio. Então a mulher, loura, alta e de 38 ou 40 anos presumíveis, olhou com olhos assustados para Mr. Max e falou:
    — Meu Deus, será que enguiçou?
    — Há certos indícios de que isso tenha ocorrido — respondeu Max em tom seco.
    — E que faremos? Não podemos ficar aqui!
    — Calma, minha senhora. Numa situação dessas é preciso manter a calma.
    — Sim, eu vou tentar. O senhor sabe o que fazer?
    — Deixe-me olhar esses botões.
    Max olhou. Havia os botões dos andares, é claro, uma fechadura para a luz, o botão de “abrir porta”, o de alarme e o de emergência (parar o elevador). Max descartou este último, visto que o elevador já estava parado, e começou a considerar entre os outros. Mas os andares eram doze ao todo. Se apertasse um andar, qual deveria ser?
    — Como é, o senhor vai ou não vai fazer alguma coisa? — a voz da mulher já se aproximava da histeria.
    — Eu disse calma. Estou pensando.
    — Chega de pensar! Eu não agüento ficar aqui! — assim dizendo ela empurrou Mr. Max e apertou ao acaso o botão do terceiro andar.
    O elevador desceu um pouco mas parou entre o terceiro piso e o quarto.
    — Bolas — disse Max. — Deixe que eu faça a coisa a meu modo.
    Pela janelinha gradeada via-se muito mal o lado de fora. A dona espiou com olhos esgazeados e gritou:
    — Então nos tire daqui! Vem vindo gente! Depressa!
    — Mas afinal, nós estamos ou não estamos precisando de ajuda?    
    — Mas entre essas pernas que eu estou vendo duas delas parecem ser do meu marido!
    — E isso não é ótimo?
    — Como ótimo? Ele está querendo me matar e se avistar o senhor comigo, mata o senhor também...
    Mister Max olhou para a sua companheira de infortúnio, com a expressão mais sombria do que nunca.
    — Começo a me arrepender de ter entrado nesse elevador — disse simplesmente.

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    Enquanto isso, um sujeito com tipo de vilão de desenho animado saiu por outro elevador no sétimo andar e informou-se de que a mulher alta e loura havia descido ainda agora, “em companhia de um sujeito que parecia ter saído de um museu ou de um sarcófago”.
    — Ah, Lise! Esperava que você tivesse mais bom gosto! — comentou o homem, furioso.
    — Mas, senhor... depois que passou pelo quarto andar o elevador não deu mais sinal...
    O homem não quis ouvir nada e disparou pela escada abaixo.

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    — Esse elevador tem ascensorista, não tem? — indagou Max.
    — Claro que tem. Ele é que telefonou para me avisar de que o meu marido estava atrás de mim...
    — Então ele saiu para telefonar e deixou o negócio subir sozinho.
    — Parece que foi isso.
    — E o sujeito que estava com a senhora, para onde foi?
    — Que importa? São tudo ciúmes doentios do meu marido! O senhor não acredita que eu estivesse fazendo mal algum, não é?
    Max não teve coragem de dizer se acreditava ou não. Nessa altura várias pessoas se agachavam junto à porta, tentando falar com os dois.
    — Ei, vocês aí! Estão presos?
    — Não disse Max, agressivamente. — Nós gostamos muito de ficar dentro do elevador.
    — É preciso chamar os bombeiros... — disse alguém.
    — A polícia.
    — O porteiro do edifício.
    — O síndico.
    — Estou vendo que isso não vai resolver nada — disse Lise, apertando as mãos. — O senhor não pode abrir essa porta?
    — Posso. É só apertar o botão de abrir porta. Só que a senhora vai ter que se espremer bastante para sair.
    — Oh, meu Deus! Lawrence vai acabar me descobrindo aqui...
    — Eu já a descobri, querida! Vão-se embora, todos! Isso agora é comigo!
    Ouviram-se gritos, tropel de gente em fuga e a frase: “Cuidado, ele é doido!”.
    — Lawrence, meu amor! É você que está aí fora? Eu estou aqui, numa situação terrível...
    — Ah, é? Pois agora vai ficar um pouco mais terrível! Então é esse o cara, hein?
    Max reagiu:
    — Que quer dizer com “cara”? Eu sou um advogado e exijo respeito!
    — Pois então eu vou respeitosamente mandá-lo para o além.
    — Encoste-se na parede! — sussurrou Mr. Max. — Ele vai atirar!
    Começou então uma cena de pesadelo. O sujeito não tinha ângulo para fazer pontaria mas atirou de qualquer jeito, e as balas zuniram e ricochetearam pelo cubículo, perfurando-o inclusive, isso em meio aos gritos de Lise. Max, na aflição, apertou o botão de alarme, soando a sirena pelo corredor afora, e em seguida, ao acaso, o botão do oitavo andar. Tornaram a subir, entre trancos. A mulher agarrou-se a Max, berrando em seu ouvido.
    — Minha senhora — disse Max, ofegante — será demais pedir que tire os cabelos de dentro da minha boca?
    — Oh, desculpe! Diga... o senhor está armado?
    — Sou um homem pacífico — respondeu Max, em tom belicoso.
    Finalmente pararam no sexto pavimento e a porta se abriu. Max saiu na frente da mulher e olhou em volta. Dirigiu-se para a escada, mas Lawrence apareceu correndo, ofegante, de arma na mão.
    — Peguei-o, conquistador! Você não escapa!
    Disparou quase á queima-roupa. Houve o barulho, a fumaça, e... mais nada. Max continuou ali de pé, impassível.
    — Mas... mas... eu atirei... não errei... você não sente nada?
    Em dois passos Mr. Max alcançou o apatetado pistoleiro e tomou-lhe a arma.
    — Eu o acertei... vi o buraco no paletó... sempre funcionou, com todos que eu matei... isso é bruxaria — foi dizendo o homem, enquanto os guardas o levavam.
    Max não queria saber de mais nada. Pouco lhe interessava que o outro sujeito tivesse sido encontrado entre os pijamas na lavanderia, ou que o ascensorista tivesse finalmente aparecido. Ia-se retirar, mas um sujeito chegou-se a ele:
    — Diga uma coisa... o senhor usa um colete à prova de bala, não é?
    — Não espalhe.
    — Mas como o senhor se meteu nisso?
    — Não me meti em coisa nenhuma. Sou Brian Max, advogado, e vi aqui só para buscar um livro. Um livro, entende? Um livro!
    — Sim senhor, não se zangue. Agora, será que o senhor pode posar um instante?
    Max percebeu que estava diante de meia dúzia de repórteres e fotógrafos.
    — Hoje não é o meu dia — murmurou.
    Abraçou sua pasta e abriu caminho quase à força, esquivando-se às perguntas, mas foi detido por outro sujeito:
    — Desculpe, senhor, mas nós somos da polícia. O senhor tem que nos acompanhar para prestar depoimento e registrar queixa por tentativa de homicídio.
    Max fez um gesto de resignação.
    — Tudo o que quiser, meu jovem, contanto que não me leve para falar com o Inspetor Hill. Se depois de tudo eu ainda tiver que encontrar com ele, acho que não passo de hoje.
    

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    Mas alguns dias depois Max é que era acusado por tentativa de homicídio. Dois repórteres tiveram a temeridade de ir à mansão do advogado tentar uma entrevista, e Mr. Max mandou que os criados soltassem os pastores alemães...