Voltemos ao início dessa narrativa. ANL estava na sua gruta e aquela cavalgada se aproximava. Já fazia algum tempo que ele morava naquelas montanhas, em solidão. Procurava um lugar onde pudesse estar quieto, meditar, em segurança. Mas não havia calma continuada, não havia segurança completa em lugar algum. Os inimigos estavam em toda parte, podiam chegar a qualquer hora. Ele sabia. Por isso, precisava ajustar aquela luneta para ver quem eram aqueles longínquos seres que se aproximavam, à distância.

Sim, uma pequena caravana se aproximava, bem longe. Através de sua luneta agora podia vê-los: eram cavaleiros, guerreiros, desconhecidos. Ainda iam levar algum tempo para achá-lo, ali. Mas certamente acabariam encontrando-o.

ANL começou a considerar sobre o que faria. Poderia fugir. Porém não mais agüentava a idéia de viver fugindo para sempre. Ele já tinha vindo das longínquas regiões do Sul, onde nascera.

Mas ANL sabia que em nenhum lugar do planeta havia a mais completa paz naquela era degenerada. A época estava terrível. Ele por isso já tinha planos de viajar mais para o Norte, mais para o alto, até as elevações geladas das grandes montanhas, os Himalayas, as rainhas das montanhas. Para o monte Khailás, talvez, onde nasce o rio Sindhu. Sim, talvez lá pudesse permanecer em paz, em meditação, sem preocupar-se com sua própria defesa e segurança, sempre ameaçada.

Eram cerca de trinta cavaleiros pesadamente armados com chuços, espadas, lanças e escudos.

ANL agora os via claramente.

Eles pareciam saber exatamente onde ele se encontrava, pois marchavam em sua direção, já subindo os flancos da montanha.

ANL resolveu esperá-los, armado de sua lança. Não demorariam a encontrá-lo, ou mesmo já o tinham visto.

 

O vento do fim da tarde vinha chegando, frio e fino, vindo das geleiras do sul. As nuvens eram raras, ao por do sol. As grandes aves arribavam para seus lares, em raros e altíssimos grupos. Um estranho silêncio permeava a solidão dos altos picos nevados, dali vistos.

 

ANL sentou-se na entrada da gruta, em vajra ashana, e meditava.

 

Na sua meditação, entretanto, ele não pressentia nenhuma agressividade, nenhum ódio ou perigo por parte daqueles homens que subiam a montanha. Sabia que eles o estavam procurando, via-se em contato com eles, e lembrou-se da porqueira sua mãe, e de seus irmãos, em vida passada.

 

Sabia que ali se cumpriria a sua promessa feita anteriormente.

 

* * *

 

ANL passou a noite toda em meditação.

 

Quando o dia nascia, os cavaleiros estavam em sua frente.

Eram guerreiros tibetanos, que tinham vindo à sua procura, a mando do rei Trisong Detsen.

 

Estavam todos pesadamente armados e desceram dos seus cavalos em sua frente.

 

Mas ANL não saiu de sua meditação.

 

Então aqueles homens se sentaram, à espera e em silêncio.

O cozinheiro deles foi até uma pedra onde acendeu a pequena fogueira e preparou o chá. O fogo, naquela época, era feito com o uso de uma espécie de lente.

Quando o chá estava pronto e quente, serviu ele numa chávena de madeira que trazia, com base de prata e ouro, presente enviado pelo rei do Tibet.

O chá quente foi posto em frente a ANL, que meditava, os olhos semi-cerrados.

 

Quando, saindo de sua meditação, ANL fez uma reverência ao chá e empalmando a chávena bebeu um pouco, perguntou:

 

— O que desejam vocês, jovens guerreiros tibetanos?

 

Tendo feito três prosternações, respondeu o comandante tibetano:

— Nosso rei nos manda a você, ó Nascido do Lótus, para pedir que venha ao Tibet a fim de implantar e firmar a religião.

— Por que isso? quis saber ANL.

— O Tibet, começou o guerreiro a contar, é dominado por demônios. Nenhum monge ou sacerdote conseguiu difundir a religião nas terras nevadas. Nosso rei convidou o venerável monge indiano Shantarakshita para trazer a religião para nossa bárbara terra, mas seis meses depois de ter o venerável monge indiano Shantarakshita ter chegado ao Tibet os deuses e demônios se revoltaram e grandes relâmpagos vieram do monte Marpori destruindo as colheitas, e começaram os desastres, doença, fomes, seca e tempestades de granizo em todo o país. Por isso os ministros exigiram que o venerável monge indiano Shantarakshita fosse expulso do Tibet, o que aconteceu. O venerável monge indiano Shantarakshita voltou para essas terras, mas antes de partir aconselhou ao nosso rei Trisong Detsen que mandasse convidar o senhor para subjugar os demônios e implantar a religião na Terra das Neves.