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Tempos depois encontramo-nos no ossuário do cemitério da Áspera Gruta, em Uddiyana, onde teve a visão de Vrajra Varahi, que o consagrou.

E as quatro classes de dakinis e dakas, e as dakinis dos três níveis lhe concederam realizações, transmissões e consagrações. Todas as dakinis o abençoaram e lhe concederam ensinamentos.

Foi então que ele se transformou no poderoso iogue.

As dakinis lhe deram o nome de Dorje Drakpo Tsal.

Que significa “O Poderoso Vajra Irado”.

 

ANL era um homem forte, alto, moreno, de idade indefinida.

Alguns diziam que ele tinha uns trinta anos, naquela época. Outros diziam que ele tinha quase mil.

Ele era moreno, tinha um bigode e um cavanhaque pequenos. Usava um chapéu de lã vermelha, cujas duas pontas se dobravam para o alto, encimado por um meio dorge e um lenço amarrado. Não era pessoa completamente pacífica. Ele era um pouco sério, meio irado. Vestia uma longa capa real de três etapas, toda debruada de ouro, que cobria suas vestes de seda e lã. Calçava uma bota estilo montanhês. Seus longos braços normalmente mantinham um porte sereno.

Na sua mão direita geralmente se via um dorge, seguro no “gesto do escorpião”, isto é, os dedos indicador e mínimo curvados para frente e os outros dedos fechados. Aquilo era o mudra ameaçador. Na mão esquerda estava uma cuia feita de crânio humano, chamada kapala.

Mas o que o caracterizaria melhor seria a lança com tridente que sempre portava. Era uma lança encimada por um pequeno tridente na forma de uma pequena lira. Os dentes superiores do tridente eram fechados, e tinham ornamentos de ossos, flâmulas, lenços de seda, pequenos sinos que soavam quando ele andava. A lança possuía todos os ornamentos de uma completa mandala. Era na realidade uma “khatwanga”, ou bastão tântrico ritual e mágico, com algumas caveiras humanas ali espetadas e incrustadas. Ninguém poderia exatamente saber o que aquilo significava, ninguém nunca ousara perguntar-lhe, tal o respeito que ele sempre inspirava.

Curiosamente, do seu corpo exalava uma estranha luz meio azulada, como a luz da lua cheia de outono, e às vezes tão forte que ele podia viajar à noite sem se perder. Mas essa luz, entretanto, não era exterior a ele, aquela luz como que vinha de dentro dele mesmo, como se sua forma e corpo fossem mesmo feito de luz, e não de carne.

Além disso, usava ele todos os ornamentos de um rei: brincos, colares, pulseiras e tornozeleiras.

Algo no seu corpo fazia com que ele como que flutuasse no ar. E nem creio que seus pés precisassem exatamente pisar o chão.

Perto dele tudo estava eternamente em paz.

 

ANL foi para o Assento Vajra, na Índia.

Ele começou a multiplicar o seu corpo. Às vezes ele aparecia como vários monges orando num templo, outras vezes aparecia como vários iogues praticando.

Quando algumas pessoas perguntaram quem era seu mestre ele respondia: “Não tive pai ou mãe, não tive professor ou mestre, não tenho casta nem nome, eu sou o que apareceu de si próprio!”

Todos duvidavam disto.

Então disseram:

— Alguém que faz esses milagres sem ter tido um mestre deve ser um demônio!

Por isso, refletiu ANL:

— Eu sou o aparecimento de um Buda, mas apesar disso, e para mostrar às futuras gerações da necessidade de ter um mestre, eu vou procurar os mestres do Mantra Secreto da Índia. Além disso, não serei de nenhuma ajuda se pensarem que sou um demônio.

E assim ele foi à morada do mestre Prabhahasti. No caminho, encontrou dois monges que também iam para o mesmo mestre.

ANL reverenciou os monges e lhes pediu ensinamento. Mas os monges ficaram amedrontados com ele, pensando: “o demônio rakshasa voltou”.

Sabendo disso, ANL lhes falou:

— Veneráveis monges, eu já não estou realizando ações más. Por favor, me aceitem”.

Ao que os monges replicaram:

— Se você fala a verdade, então nos dê suas armas.

ANL lhes deu o arco e as flechas de aço. E os monges lhe disseram:

— Nós ainda não estamos preparados, portanto não podemos dar ensinamento. Vá à, onde o Mestre Prabhahasti mora.

Quando ANL na Rocha Garuda Vermelho veio até Prabhahasti e lhe pediu e recebeu ordenação como monge. Recebeu o nome de Shakya Senge. De Prabhahasti ele recebeu três ensinamentos. Ainda que os compreendesse logo no momento em que os ouvia, ele os estudou dezoito vezes para purificar os obscurecimentos. Naquele tempo, mesmo sem praticar, ele teve a visão das trinta e sete deidades do Yoga Tantra.