O discurso do inconsciente
Por Bráulio Tavares Em: 10/01/2007, às 22H00
Os freudianos dizem que tudo é intencional, até mesmo o que é involuntário. Neste último caso, a intenção vem do Inconsciente, que está doido para dizer ou fazer uma coisa e ninguém deixa. No primeiro descuido, ele corre para o centro do palco, diz a primeira coisa que lhe vem à cabeça e foge de volta para a escuridão das coxias, antes que o zelador do teatro o persiga a vassouradas. E, já que nossa mente funciona assim, tudo pode ser interpretado, tudo pode ser analisado, porque tudo obedece a um plano, ou, na pior das hipóteses, tudo que dizemos é registro sismográfico de um terremoto inaudível que nos faz vibrar de mansinho 24 horas por dia, como um eletrodoméstico ligado.
Damon Knight, com a nitidez instantânea dos escritores de ficção científica, comenta que o termo “inconsciente” é enganador: “Quer você esteja dormindo ou acordado, ele está ali, supremamente consciente, percebendo tudo. Você pode cochilar, perder os sentidos, dar um branco – ele, não”. Knight chama a nossa consciência a “Mente A”, que não passa de um filtro de acesso à “Mente B” (o inconsciente). A Mente A esquece 90% do que processa; a Mente B não esquece coisa alguma. Diz ele: “A Mente A normalmente não percebe a Mente B; a Mente B monitora a Mente A constantemente. A Mente A maneja os raciocínios lineares do tipo ‘se X, então Y; se Y, então Z’. Já a Mente B funciona através de redes de associações simultâneas. A Mente B determina o que você faz; a Mente A produz as explicações”.
Pode ser uma descrição simplista, mas serve como uma primeira abordagem. A linguagem jornalística, que busca sempre a concisão, as definições curtas e imediatas, tende a empobrecer os fenômenos. Já vi estudantes jovens perguntando: “Mas em que parte do cérebro fica o Inconsciente?” Tendemos a espacializar as coisas, quando na verdade não estamos nos referindo a regiões do cérebro, mas a hierarquias de processos. Essa hierarquia significa que alguns processos mentais ficam se checando uns aos outros o tempo inteiro, ficam se verificando, trocando informações, e isto se dá (penso eu) em torno das nossas sensações corporais imediatas, das nossas pecepções áudio-visuais (o que estamos vendo e ouvindo aqui-e-agora). Tudo isto é monitorado por um conjunto de imagens superpostas (ou conceitos mentais formados por memórias entrelaçadas) que me informam quem sou, o que faço,onde estou, que dia é hoje. Aquelas perguntas que a gente se faz todos os dias antes de abrir os olhos, para checar se está tudo bem.
Por baixo disto tudo, há um nível hierárquico distanciado onde se trabalha a todo vapor, mas sem acesso a esta zona de controle recíproco. O Inconsciente se parece aos milhares de operários numa fábrica, que não participam das decisões do dia a dia, mas param a fábrica no instante em que quiserem. Os processos conscientes tocam o barco. O inconsciente se manifesta quando o barco mergulha numa tempestade, ou percebe um iceberg ali na frente.
Publicado originalmente no Jornal da Paraíba