(Miguel Carqueija)

Há coisas que não devem ser esquecidas...

O DESAPARECIMENTO DO TEATRO NA TELEVISÃO


    Quem se recorda de ter assistido peças teatrais na televisão/
    Elas haviam, décadas atrás. Havia o Grande Teatro Tupi (a Tupi é uma emissora extinta). Existia também o teatro infantil; um deles, se bem me lembro, patrocinado pela fábrica de brinquedos Trol.
    Em criança e adolescente eu assisti muitas dessas peças. No grande Teatro Tupi pontificava o célebre ator Mário Lago, com interpretações brilhantes em temas bem diversos. Lembro dele numa peça sobre julgamento, e também nas adaptações teatrais de “O Mandarim”, de Eça de Queiroz, e “O velho e o mar”, de Hemingway.
    Infelizmente, essas representações teatrais que existiram nas décadas de 50 e 60 estavam com os dias contados. Um monstro asqueroso, assim como quem não quer nada, foi surgindo e se impondo e, sem que mal a gente percebesse, terminou por alijar o teatro da televisão brasileira. Esse monstro é a novela de tv.
    Produto impossível de ser feito com qualidade — cada novela equivale a muitas dezenas de filmes de longa-metragem feitos no espaço de poucos meses (Stanley Kubrick e Jacques Tati levavam anos preparando um filme), e só isso já compromete definitivamente esse fator. Além do mais, a filosofia dominante na novela de tv é a destruição de valores, principalmente os de família. É um nunca acabar de baixarias: traições, fuxicos, discussões coléricas aos berros (frequentemente entre homem e mulher), infidelidades, tramas imbecis, diálogos horrorosos. É esse o lixo que veio substituir as peças teatrais, e ninguém se lembrou de reclamar. E foi constrangedor ver um grande artista como Mário Lago, despojado de suas peças, rendendo-se ao monstro da novela.

(Rio de Janeiro, 24 de abril de 2011)