SESSÃO NOSTALGIA:

 

O clima está quente    

                            Cunha e Silva Filho            

 

       O bem é que não andam  fazendo. Em 1964, quando vi para o Rio de Janeiro, a situação  meteorológica  na cidade  do Rio de Janeiro  era bem diferente da de hoje. Diferente porque a estações do ano  me pareciam  mais regulares, mais cíclicas. Era mais previsível  o tempo mais quente do mais frio e, neste último,  eu sentia  que tinha frio mesmo. Precisava de andar com roupa adequada no frio. Era obrigado a envergar uma japona,   ou um casaco para me resguardar  da baixa temperatura.      

      Com os anos se passando,  sentia que  a cidade ia ficando mais quente. Alguns  leitores  bem se lembram do filme  “Rio, 40 graus”. Ora,  hoje esse nível de calor  foi ultrapassado,  sem falar  na  sensação térmica, que não era tão  alta como agora. Gostava, no entanto,  quando vinham os meses de frio até chegar ao máximo no mês de junho e julho.          

        A população hoje usa muito mais o ventilador  ou  o ar condicionado do que outrora. Os dias quentes são insuportáveis, ainda mais com o reforço  do mormaço que  torna o ar  parado,  nos dando uma sensação de sufoco e nos forçando a sair de lugares fechados para ver se, lá fora,  podemos  respirar  melhor.          Eu nunca gostei do calo.

        Desde menino, acompanhando minha mãe ao Mercado Velho em Teresina, no Piauí,  mal me aguentava com  a temperatura   elevada. Andava me queixando com mamãe: ”Que caiô, danado.”  Ao chegar em casa, encontrando  meu pai, reclamava de novo com ele: “Que caiô, danado!” Este fato da infância refiro no meu livro de memórias Apenas memórias, ainda a ser lançado. Cresci,  assim, não  gostando  do calor e assim ainda hoje resmungo muito com as altas temperaturas   carioca, de tal sorte que, no tempo do verão, ou mesmo  ultrapassando este, durmo  ou com  ventilador o tempo todo ou com ar-condicionado.        

          O calor não me deixa bem, me amolece o espírito,  com vontade de ficar sem fazer nada. Alguém já afirmou  que o Brasil não tem  grandes filósofos porque  a terra é quente na maior parte do país. Sei que isso  é uma balela, mas quando afirmam isso,  fazem uma exceção:  tivemos o Farias  Brito, filósofo espiritualista, autor de A finalidade do mundo (1895-1899-1905, em três volumes) e Mundo interior (1914)      

          Um amigo indiscreto  me sussurra ao ouvido: “Temos professores de filosofia, não filósofos.” Acho que está  sendo muito exigente, não? Porém, ele me  retruca  ressaltando que, no país, quem termina filosofia, malgrado tenha doutorado ou pós-doutorado,  é chamado em geral  de filósofo, ainda que  não tenha  formulado  uma  teoria  nova que pudesse avançar  os estudos  da  filosofia no mundo e entre nós.Creio, entretanto, que meu  amigo indiscreto tenha sido muito  exigente nesse aspecto,  pois o Brasil teve um  Miguel  Reale (1910-2006) e contar há muito tempo  com grandes   pensadores em várias áreas do conhecimento.      

        Agora,  disponho de um forma antiga  de me sentir  refrescado,  o uso da rede, antigo costume  que tínhamos em  Teresina, cidade que registra sempre  uma temperatura  alta, quarenta graus  ou,   às vezes,  trinta e sete ou trinta e oito  graus.      Só que,  em Teresina,  de manhã,  sopra  amiúde uma brisinha gostosa, o que  vem como  um bálsamo  para o corpo e a mente. A rede, sem dúvida,  é boa para o calor. Passei da infância até à adolescência  dormindo em rede.

         Só comecei a usar a cama aqui no Rio de Janeiro. Dizem que os nordestinos têm a cabeça, em geral, chata, porque dormiram muito  em rede. Isso não tem confirmação científica. Ou tem? Nunca me dei ao trabalho de pequisar  se existe algum estudo sobre  a forma da cabeça  chata       Voltemos ao  calor, que é matéria  séria. Sem sombra de dúvida,  a o planeta Terra ficou muito mais  quente com tanta   coisa ruim que se fez com  esse maltratatado   astro do universo.

        Além disso,  com o avanço  científico-tecnológico,  o aumento  de fábricas poluidoras  ao redor  do planeta, soltando  volumes gigantescos de gás carbônico, com  o gigantismo  de número de carros   poluentes descarregando  CO2, com as  inúmeras  experiências atômicas já realizadas por potências  militares, com as escavações funestas  e continuadas  no subsolo.      

         Com as perfurações  de mineradoras  por toda a parte, a Terra  tem sofrido  o chamado efeito  estufa, cuja consequência mais  nefasta  é o aumento da temperatura  do nosso planeta. A par disso,  o aquecimento  terráqueo  está  produzindo  sérios transtornos nas regiões polares, com a consequente degelo  das calotas, as quais,   por seu turno,   vão   elevando  o volume do nível dos oceanos e mares.       Alguns estudiosos subestimam  essas causas, talvez mais levados  por razões de ordem econômica mas perigosamente  negligenciando  os efeitos desastrosas ao meio ambiente e ao ecossistema.  

         As diversas  reuniões  de cúpulas  de organismos internacionais para debaterem as questões climáticas, sobretudo   da parte de países  mais poluidores (Estados Unidos, China, por exemplo) que não  desejam  ter  prejuízos econômicos,  parecem não ter tido, até agora, maiores sucessos a fim de reduzirem  substancialmente   os efeitos  danosos  ao clima  em escala global.    

        Países em desenvolvimento como o Brasil e outros devem fazer  também seu dever de casa a fim de darem sua real contribuição   no sentido de evitarem  que o clima  no planeta  não se deteriore ainda mais.É bem verdade que sintomas  desse  desequilíbrio  meteorológico já está  dando  péssimos sinalizadores, segundo  podemos atestar com  situações  incomuns de inundações, chuvas  torrenciais, escassez de chuva em algumas partes do país,  desaparecimento de  fontes  hídricas,  diminuição do volume d’água de nossos rios, inclusive do rio São Francisco e de outras  rios  do país.      

         Ninguém pode negar que  as condições climáticas  em nosso planeta  fogem  aos  parâmetros  de alguns  anos  passados, assim como  o aumento da temperatura   é algo  que nos  põe em alerta.         Se não forem  contidas todas  as causas  provocadoras desses desastres climáticos e de uma espécie de  desarranjo das divisões periódicas das estações do ano no país e no mundo, a humanidade inteira sofrerá   grandes e incontornáveis transtornos diante de uma natureza  que, por assim dizer,  se vinga sempre que  ela for  vilipendiada  pelo  homem.    

        Os avisos da própria natureza já são mais do que suficientes  para  que reflitamos  sobre o que nos poderá  acontecer caso persistamos  em destruir  o que a natureza  nos  prodigalizou. Não provoquemos a fúria da natureza, pois, na luta entre o homem e ela, vencedora será a Mãe-Natureza.