O castelo em forma de nave

Rogel Samuel

Márcia Sanchez Luz escreveu um soneto, para mim já clássico, das mazelas do amar, que diz muito precisamente o que sente e o que pergunta todo ser que (ainda) ama.
Como as mulheres entendem mais de amor do que os homens!
O poema está no seu "Imaginário", um blog que é um primor de poesia em:
http://poemasdemarciasanchezluz.blogspot.com/
O poema começa com perguntas para as feridas de um labirinto em que a autora e todos nós amantes nos perdemos: quando o amor é sensação no peito, anseio, instinto, sonho sem preconceito, conflito.
Amar é alguma doença?
Ou é cura? A cura.
Confesso que em matéria de amor só conheci o lado amargo. Talvez pelo meu pendor de só apaixonar-me pela pessoa errada, mesmo quando era jovem. E não se trata de minha idade, apenas. Sempre foi assim.
Bloch, no Princípio esperança, tem um estranho e instigante capítulo que se chama: O que resta a desejar na velhice.
Diz ele que é muito instrutivo quando pela primeira vez alguém se levanta para nos ceder o lugar. E é mesmo nesse tempo que percebemos como a vida é curta.
Por isso, quando saudamos ou festejamos um velho, este percebe instintivamente que é como uma despedida, ou seja, que tem a morte como desenlace.
O que não morre é o amor. Acompanha-nos até o fim dos dias.
O soneto de Márcia Sanchez Luz diz:


Por quem me tomas quando o amor que sinto
da carne dista, é sensação do peito?
O anseio que me assola é puro instinto
guardado no sonhar sem preconceito.

Por quem me tomas neste labirinto
de dor e medo e cheio de defeito?
O meu sentir não pode ser extinto
por conta de um conflito sem efeito.

Por ora busco alguma direção
para aquietar-me a mente tão doída
que só concebe o que não tem razão.

Se eu não achar porém explicação
passível de curar esta ferida,
me entregarei somente à solidão.

O Padre Vieira tratou do amor no seu famoso Sermão do Mandato, de 1643. Mas que saberá um padre do amor? Melhor talvez a fenomenologia do amor feita por Sartre...
Mas isto já outra estória. Pois quem entende de amor são os poetas. Como a não-explicação de Márcia Sanchez Luz. Afinal, como escreveu Ernst Bloch, em "O princípio esperança", "o amor não deixa ninguém entrar sozinho no castelo dos sonhos ou ir sozinho para o alto-mar".
O amor é a taça cintilante da aventura, a vontade de viajar, o Argo, "que é uma espécie de arca para os desejos mais importantes" de nossa juventude: "o desejo de ter um triunfo".
"A vontade despedaça a casa... e constrói o seu castelo no alto da montanha, em meio às nuvens".
O seu castelo em forma de nave.