De fato, surgiu uma polêmica em torno dessa passagem, em que Jesus afirma não terem os ricos a menor chance de entrar no reino de Deus. Seria tão impossível quanto um camelo passar pelo buraco da agulha (cf. Mt 19:23-30; Mc 10:23-31 e Lc 18:24-30).
Conforme alusão de Deonísio da Silva em seu A vida íntima das frases (Novo Século, 2009), foram levantadas duas hipóteses com relação à tradução, tornando a frase menos exagerada... hipóteses que na verdade se opõem.
Teria havido, no texto grego, uma troca entre kamelos ("camelo") e kamilos ("corda grossa", "calabre"). A própria palavra do aramaico utilizada por Cristo carregaria ambiguidade — gamla ("camelo") e gamala ("corda grossa").
Além de parecer mais lógico (afinal, o que teria um camelo a ver com agulhas?), a imagem da corda grossa permitiria uma saída para os ricos, como nos conta João Ribeiro no livro Frazes feitas (Francisco Alves, 1908). Segundo interpretação mais liberal, o calabre poderia passar pelo fundo da agulha, contanto que fosse desfiado. Passaria fio por fio, exigindo paciência e esforço.
Numa segunda hipótese, que suavizaria também a frase evangélica e daria uma chance aos ricos, diz-se que o "olho da agulha" era o nome de uma porta estreita à entrada de Jerusalém. Se o camelo inclinasse a cabeça (sinal de humildade...) ou se deixasse cair por terra boa parte da carga (desprendimento...), poderia atravessá-la.
Não é possível aceitar as duas hipóteses ao mesmo tempo. Ou o camelo é uma corda ou a agulha é uma porta. Ambas parecem mais sensatas do que a hipérbole patente no texto em latim: "Facilius est camelum per foramen acus transire, quam divitem intrare in regnum Dei." (Mt 19:24). A tradução: "É mais fácil o camelo passar pelo buraco da agulha do que o rico entrar no reino de Deus."
Camelo atravessando o buraco da agulha graças ao dinheiro, de Eric Angeloch |
As duas hipóteses, no entanto, carecem de fundamentos mais sólidos. Analisar o texto evangélico requer contextualizações linguísticas, culturais e teológicas. O "rico", para Cristo, era todo aquele que confiava nos bens materiais mais do que em Deus. O camelo tentando passar pelo buraco da agulha é hipérbole humorística. O exagero desmonta a ideia dominante de que os bens materiais, muitos ou poucos, garantem algum tipo de salvação. Essa presunção e essa arrogância são perigoso caminho. Impossível entrar no âmbito divino sem a riqueza espiritual.
De mais a mais, não se trata de frase absurda para os ouvintes orientais. Basta lembrar passagem semelhante no livro sagrado dos muçulmanos (Alcorão 7:40): "Aqueles que desmentirem os Nossos versículos e se ensoberbecerem, jamais lhes serão abertas as portas do céu, nem entrarão no Paraíso, até que um camelo passe pelo buraco de uma agulha."
Entre os judeus, é conhecida a passagem no Talmude em que, para definir uma coisa impossível, fala-se de um elefante atravessando o orifício da agulha (cf. Tratado Berachot 55b).
De mais a mais, não se trata de frase absurda para os ouvintes orientais. Basta lembrar passagem semelhante no livro sagrado dos muçulmanos (Alcorão 7:40): "Aqueles que desmentirem os Nossos versículos e se ensoberbecerem, jamais lhes serão abertas as portas do céu, nem entrarão no Paraíso, até que um camelo passe pelo buraco de uma agulha."
Entre os judeus, é conhecida a passagem no Talmude em que, para definir uma coisa impossível, fala-se de um elefante atravessando o orifício da agulha (cf. Tratado Berachot 55b).