O boato  universal e outros  boatos                  

   Cunha e Silva Filho                

 

          Você se lembra, leitor, das referências a Nostradums segundo o qual,   em certo dia, mês e ano,  o mundo  iria  se findar? Lembra-se também  daquele velha notícia  falsa transmitida pelo rádio pelo  grande  ator Orson Welles sobre a invasão da Terra  dos marcianos? E da mais recente   revelada, segundo   alguns  intérpretes pelos maias, povo  que , no seu apogeu, se  distinguiu  por muitos feitos de invenções   e de inteligência, inclusive  com  profecias que, mal  analisadas,  falavam  de um fim do mundo para o dia de hoje,  21 de  dezembro de 2012?                

        Vejamos, agora,  a repercussão. Os chineses  mandaram prender  um grupo de fanáticos  que  andavam  espalhando essa notícia, ou melhor  dizendo,  esse boato,  que previa o Apocalipse  para  hoje mesmo. Um cineasta,  antecipando  bons lucros  financeiros,  até  andou  fazendo um filme (uma comédia) centralizando  seu tema  nesse boato?                

        Ou  americanos,  armazenando alimentos e outros  coisas para escaparem ao fim do mundo, não sabendo eles que,  se verdade fosse,  nem bunkers, nem nada  escapariam  da  morte,  tal como  aquela história  de um indivíduos que queria  por força  enganar sem sucesso  a Morte. Aqui, no  Brasil,  não faltaram   crentes  que realmente  estavam   atormentados com  a final dos tempos. Julgaram uns que seriam um  final  catastrófico com  dezenas de  meteoros  caindo na Terra, fulminando a todos com   um fogaréu dantesco  e   descomunal. Outros,  na mesma  onda  da boataria  insana,  procuraram  terras  altíssimas que  evitariam  que  morressem  afogados  com  um  gigantesco tsunami de  ondas  de mil metros,  o qual  engolfaria  parte  considerável de  grandes  cidades  do  planeta numa destruição sem precedentes.                  

        Ou seja,  o final  do mundo, segundo as  profecias  dos maias, serviu de   muito combustível  para   as jogadas de lucros,  as piadas   inócuas,  a implantação  do medo  sobre  as mentes  suscetíveis, os programas  humorísticos, em suma,   a boataria  se transformou  numa  grande  pizza, da espécie  que tão bem conhecemos  no cenário político  brasileiro, afundado  igualmente em  bem urdidas  encenações   com   vasto talento  para a momice e pantomima.    

           Somos  realmente o país  do carnaval, do samba, do ufanismo  à moda de Afonso  Celso, do futebol e seu fanatismo   sem cura. Somos a encarnação  da própria  carnavalização  praticada  em todas as instâncias do poder nacional. Somos o país dos  enganados,  dos basbaques. Mimetizamos tudo, até o que há de  pior dos países  adiantados. Faltam-nos  a originalidade,  a  capacidade  de  equilíbrio, do bom senso,  do espírito  coletivo  solidário, fraterno, cuja manifestação  de bondade  e de  alegria  é apenas um arremedo  de fim de ano, nada mais.    

           Fingimos  uma unidade dos poderes, quando nem mesmo os poderes,  os três  formulados   por  Montesquieu,  que aqui se copiou mas  com os remendos   da brasilidade pícara  tupiniquim, bruzundangueira  e  macunaímica. Não saímos  de algumas bufonarias  da Era  Colonial, do Vice-Reinado. Nosso Modernismo/Pós-Modernismo   nas letras e na   vida social, deu as costas, para  os maiores  problemas  que secularmente  enfrentamos e para alguns  novos  problemas  que  teimamos  em   dar continuidade e estão à vista  de todos  os brasileiros   conscientes: corrupção, impunidade,  saúde, segurança,  pobreza, indústria da seca etc.              

           Ora,   como, à altura do século  21,  não se tem  a  nitidez de como se decidir quem vai  preso,  quando vai  preso e  em que condições  estará  preso o condenado. Somos  politicamente tão bem  representados que, em final de ano – quase  me deu a vontade de  dizer, em final de mundo -,  congressistas  não sabem  o que fazer  com a votação  do  orçamento da União e com os vetos  DA  PRESIDENTA,  como os  áulicos  palacianos,  infringindo a gramática   portuguesa, gostam  de referir-se  ao mandatário da função mais alta  da Presidência da República.  

           O fim do mundo, leitor,  não é apenas  o  boato  da imbecilidade  universal , mas nele se inclui como protagonistas as mazelas  que  ainda  persistem moral,  econômica, jurídica e  politicamente   em nosso  próprio  país.