O boato universal e outros boatos
Por Cunha e Silva Filho Em: 25/09/2021, às 12H06
O boato universal e outros boatos
Cunha e Silva Filho
Você se lembra, leitor, das referências a Nostradums segundo o qual, em certo dia, mês e ano, o mundo iria se findar? Lembra-se também daquele velha notícia falsa transmitida pelo rádio pelo grande ator Orson Welles sobre a invasão da Terra dos marcianos? E da mais recente revelada, segundo alguns intérpretes pelos maias, povo que , no seu apogeu, se distinguiu por muitos feitos de invenções e de inteligência, inclusive com profecias que, mal analisadas, falavam de um fim do mundo para o dia de hoje, 21 de dezembro de 2012?
Vejamos, agora, a repercussão. Os chineses mandaram prender um grupo de fanáticos que andavam espalhando essa notícia, ou melhor dizendo, esse boato, que previa o Apocalipse para hoje mesmo. Um cineasta, antecipando bons lucros financeiros, até andou fazendo um filme (uma comédia) centralizando seu tema nesse boato?
Ou americanos, armazenando alimentos e outros coisas para escaparem ao fim do mundo, não sabendo eles que, se verdade fosse, nem bunkers, nem nada escapariam da morte, tal como aquela história de um indivíduos que queria por força enganar sem sucesso a Morte. Aqui, no Brasil, não faltaram crentes que realmente estavam atormentados com a final dos tempos. Julgaram uns que seriam um final catastrófico com dezenas de meteoros caindo na Terra, fulminando a todos com um fogaréu dantesco e descomunal. Outros, na mesma onda da boataria insana, procuraram terras altíssimas que evitariam que morressem afogados com um gigantesco tsunami de ondas de mil metros, o qual engolfaria parte considerável de grandes cidades do planeta numa destruição sem precedentes.
Ou seja, o final do mundo, segundo as profecias dos maias, serviu de muito combustível para as jogadas de lucros, as piadas inócuas, a implantação do medo sobre as mentes suscetíveis, os programas humorísticos, em suma, a boataria se transformou numa grande pizza, da espécie que tão bem conhecemos no cenário político brasileiro, afundado igualmente em bem urdidas encenações com vasto talento para a momice e pantomima.
Somos realmente o país do carnaval, do samba, do ufanismo à moda de Afonso Celso, do futebol e seu fanatismo sem cura. Somos a encarnação da própria carnavalização praticada em todas as instâncias do poder nacional. Somos o país dos enganados, dos basbaques. Mimetizamos tudo, até o que há de pior dos países adiantados. Faltam-nos a originalidade, a capacidade de equilíbrio, do bom senso, do espírito coletivo solidário, fraterno, cuja manifestação de bondade e de alegria é apenas um arremedo de fim de ano, nada mais.
Fingimos uma unidade dos poderes, quando nem mesmo os poderes, os três formulados por Montesquieu, que aqui se copiou mas com os remendos da brasilidade pícara tupiniquim, bruzundangueira e macunaímica. Não saímos de algumas bufonarias da Era Colonial, do Vice-Reinado. Nosso Modernismo/Pós-Modernismo nas letras e na vida social, deu as costas, para os maiores problemas que secularmente enfrentamos e para alguns novos problemas que teimamos em dar continuidade e estão à vista de todos os brasileiros conscientes: corrupção, impunidade, saúde, segurança, pobreza, indústria da seca etc.
Ora, como, à altura do século 21, não se tem a nitidez de como se decidir quem vai preso, quando vai preso e em que condições estará preso o condenado. Somos politicamente tão bem representados que, em final de ano – quase me deu a vontade de dizer, em final de mundo -, congressistas não sabem o que fazer com a votação do orçamento da União e com os vetos DA PRESIDENTA, como os áulicos palacianos, infringindo a gramática portuguesa, gostam de referir-se ao mandatário da função mais alta da Presidência da República.
O fim do mundo, leitor, não é apenas o boato da imbecilidade universal , mas nele se inclui como protagonistas as mazelas que ainda persistem moral, econômica, jurídica e politicamente em nosso próprio país.