O beco

[Chagas Botelho]

O beco, ah aquele beco! Cresci próximo ao beco de minhas perplexidades, caro Manuel Bandeira. Parecia extensão de minha casa e de cada morador do bairro. Era o escopo dos bêbados, fumantes, fofoqueiros e de qualquer turma que não se importava com o exíguo espaço. Nos cantos, o odor de urina imperava, enquanto as guimbas de cigarros lembravam sementes lançadas ao chão.

Nunca recebeu um nome específico — um apelido. Conhecido apenas por beco. “Vamos até ali no beco”, diziam os que demonstravam familiaridade à coisa parva. Era um acanhamento a céu aberto. Jogava-se baralho, dama, dominó, porrinha, tudo era permitido naquele local impróprio de morada, mas, indispensável para encontros ou desencontros.

Quando os egos inflavam no beco, as discussões acirradas explodiam. Logo, porém, apaziguadas pelas gentes antiviolência. O decano do pedaço, uma espécie de autoridade máxima, alimentava um mantra respeitável: “Onde eu bebo, não tem confusão”. Dito isso, risos zombeteiros se rasgavam diante do bom velho para em seguida, o tumulto acalmar-se — dissipar-se.

Com o tempo, o beco virou ponto de ônibus intermunicipal. Passageiros ocasionais misturavam-se aos contumazes frequentadores dali. De tanta frequência, já não se sabia diferenciar viajante de ocupante cativo. Bundas sentadas e bundas em pé esperavam a condução e a vida passarem. As vozes, aquelas vozes por todos os lados formavam um alarido ensurdecedor.

O beco silenciava somente na madrugada. Nesta hora pacata, numa dessas madrugadas sem estrelas, eu e Lurdinha, ali, no escuro, naquela estreiteza, nos abraçamos. Aos poucos, nossos beijos intensificados provocavam excitação. Ficamos então seminus nos apalpando em volúpia. Não partimos para o ato final porque fomos atacados por um exército de formigas. Sorte que não eram saúvas. Ainda assim, bravas e miúdas, elas também ocupavam a nostálgica viela para demarcar terreno.