O amor e o tempo
Por Antônio Francisco Sousa Em: 02/06/2005, às 21H00
Uma grande montadora de automóveis veicula uma campanha publicitária, cujo lema é: “o tempo não dá marcha ré”. Claro que sua intenção é levar o consumidor a entender que ela está oferecendo um produto dos mais modernos; porém, subliminarmente, exorta-nos a acompanhar, participativamente, a corrida desenfreada do tempo, se não quisermos ficar para trás, de uma feita que ele não espera por ninguém.
Concordo com o slogan da fábrica porque, de fato, “o tempo não pára”, ainda que, nalguns casos, tenhamos a sensação de que não é bem assim; também acredito naquela máxima que diz: “amor que se acaba, nunca existiu”.
A Mecânica cuida de comprovar a afirmativa da montadora, ao informar-nos que qualquer corpo, em movimento, não retorna em sentido contrário àquele em que está se deslocando, sem que, antes, tenha desacelerado até atingir velocidade zero. A partir daí, sim, já no sentido escolhido, poderá desenvolver a velocidade desejada. Como o tempo não pára, obviamente, não pode dar marcha ré, pois isso resultaria numa mudança de sentido.
A propósito, partindo-se da suposição de que, em absoluto, o amor e o tempo são eternos, poderíamos tecer algumas lucubrações sobre essa premissa. Observa-se que há sutis pormenores entre ambos, no que concerne à idéia de eternidade. Para quem se transfere do plano material para outra fase existencial, o tempo deixa de existir, extingue-se. Comum é ouvir-se dizerem os que ficam, em relação ao que se foi: seu tempo acabou. O amor, não, continua existindo, no plano físico, mesmo que um dos amantes se afaste temporária ou definitivamente do raio de percepção do outro. Ele resiste e, não raro, até aumenta, com o afastamento ou após finitude temporal do que refletia e, ao mesmo tempo, era reflexo daquele amor. Como se quem nos abandonasse, por um motivo qualquer, tivesse nos consagrado herdeiro universal e, às vezes, único, da parcela que lhe cabia, reciprocamente, naquele sentimento.
O amor não motiva o sofrimento de ninguém. Seria um contra-senso, um paradoxo, se isso fosse verdadeiro. A sensação de dor e pesar que advém da perda de entes queridos não é causada pelo amor. A saudade, aliada à ausência e à solidão, age, a princípio como parasita que se aproveita das lacunas abertas em nossa alma e só fechadas com o passar do tempo, para nos fazer sofrer. Quando nos restabelecemos e nos conscientizamos de que o amor continua mais forte e vivo do que nunca, domamos a saudade, a solidão e a distância, a ponto de transformá-las em amigas inseparáveis, companheiras e confidentes.
Quantas vezes não é a saudade dos que amamos, mas que fisicamente, já não estão junto a nós porque o Criador precisou levá-los para lhe fazer companhia, que nos dá forças para suportar, ao lado daqueles que continuam neste plano e na mesma luta, as grandes vicissitudes quotidianas? Em quantas outras oportunidades não é a sensação de presença, que somente a saudade possibilita, que nos garante que o amor é imortal?
Realmente, o tempo só anda para frente, ininterruptamente, mas o amor, verdadeiro e puro, independe dele para se manter inalterado ou, ainda que pareça inverossímil, fazer-se crescente.
Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal