O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL
Por Rogel Samuel Em: 06/01/2015, às 11H46
CERCA de 500 metros acima do tapiri havia um trecho do rio onde o Igarapé do Inferno fechava - ainda que corrida, funda, escura e fria - a Curva do Tucumã, acima da qual nunca ninguém passava adiante, universo regido pela povoação Numa - “Você não passa”, disse tio Genaro, naquela tarde. “Você nunca atravesse o rio”. E na margem se lançavam os limites que se sobrepunham sobre as marcas da significação da vida, alerta e alarme, nos traços insondáveis e infratores (“Não passarás!”), e por isso aquele lugar atraía tanto quanto o Proibido, o Outro, na lâmina de aço da imagem duplicada e interior, aquilo que libertava a atenta direção do salto da novidade. Pois do lado de cá ficava como um sapo em sua poça, condenado ao que seria a família constituída, dois machos protagonistas do enigma do meu silêncio e angustiosa comunicação gestual, parentes quase mudos bichos, que salvavam a vida do deserto por resmungos monossilábicos, viventes sem mulheres e amizades, existindo na prisão geográfica onde só recordar era possível sob a pressão da materialidade selvagem e da solidariedade de guerra: que de madrugada partiam para a estrada como para a morte, impulsionados por uma ordem biológica, ficando eu nos afazeres do de sempre: defumar as pélas, e no de sempre o mesmo conhecimento de que tinha errado a rota do Paraíso - sim, eu esticava caniço de pesca que durava as horas inúteis, os dias inúteis, o tempo inútil, nem pensar pensava - semanas, meses e ia a ser anos a fio até a morte, a vida somente aquilo, o mundo somente a espera - desde que chegara tudo se estagnava no mudo e no nulo do anônimo de uma monotonia circular e estéril, de uma mecânica vida mascarada de impessoal catástrofe - porque eu sabia que ia adoecer - e que doente ali ia morrer sem perdão. Eu me adivinhava insignificante individualidade da classe condenada a morrer de malária no antro da floresta comida de bichos.