[Bráulio Tavares]


 


Pesquisando a história remota da FC no Brasil, buscamos algo que se assemelhe aos livros que Julio Verne ou H. G. Wells estavam publicando na Europa, e ficamos decepcionados quando não os encontramos. Os livros de Verne e Wells eram produto de sociedades muito diferentes da nossa. Surge aqui um ou outro título concebido no mesmo espírito (como o prova, por exemplo, O Doutor Benignus, de Augusto Emilio Zaluar), porém o mais normal é encontrarmos obras que tratam aqueles temas com outro espírito, outras intenções, e afeitas às expectativas de outro público.

Nessa linha, uma curiosa referência teatral é a opereta em 3 atos Nova Viagem à Lua, de Artur Azevedo e Frederico Severo. Artur Azevedo foi um dos principais autores teatrais de sua época. Sua peça Amor por anexins, escrita aos quinze anos, é montada ainda hoje. Esta opereta foi lançada em 1877, quando ele tinha 22 anos, com música de Le Coq, e foi representada pela primeira vez no Teatro Fênix Dramática, no Rio.

Trata-se de uma comédia de costumes, típica do autor, em que a viagem à Lua é apenas o elemento desencadeador de situações cômicas. A ação do primeiro ato passa-se em Ubá (MG), e os dois últimos na Corte (o Rio). Luís, o filho do fazendeiro Arruda, de Ubá, quer casar com Zizinha, filha do velho Santos, que é um antigo amigo de Arruda, embora agora os dois estejam com as relações estremecidas. Santos diz que só cederá a mão da filha a Luís se este convencer o pai a vir à Corte (ao Rio de Janeiro), coisa que ele jurara nunca mais fazer.

Machadinho, amigo de Luís e membro da sociedade carnavalesca “Netos da Lua”, fica sabendo do entusiasmo do velho Arruda com a leitura de Da Terra à Lua de Julio Verne, e convence o fazendeiro de que é possível construir um foguete e ir à Lua. Pede dinheiro emprestado e manda construir uma alegoria carnavalesca em forma de foguete, que fotografa e mostra a Arruda para convencê-lo de que está tudo pronto para a viagem.

Arruda é levado ao Rio, narcotizado e, ao acordar, está no meio de um baile carnavalesco na sede dos “Netos da Lua”. Os rapazes o convencem de que está na Lua e que o filho dele foi coroado Rei da Lua sob o nome de Luís I. O Dr. Cábula, um intelectual de discurso comicamente empolado, colabora na farsa. Depois, com o aparecimento do velho Santos, tudo se esclarece; os dois velhos retomam a amizade e Luís casa com Zizinha.

Podemos desenvolver a partir daí uma teoria da vocação carnavalizadora (inclusive no sentido proposto por Bakhtin) que a narrativa brasileira (literatura, cinema, teatro) pratica com os temas tratados a sério pela Europa e EUA. Não é privilégio brasileiro: na Europa de 1870 certamente havia “farsas selenitas” nesse estilo. Mas essa carnavalização é coisa nossa, não há dúvida. Na chanchada cinematográfica, no filme B, no teatro, nas letras de MPB, os temas da FC são geralmente pretexto para a sátira, a paródia, a brincadeira, em que tudo acaba num baile à fantasia.
Surge aqui um ou outro título concebido no mesmo espírito (como o prova, por exemplo, O Doutor Benignus, de Augusto Emilio Zaluar), porém o mais normal é encontrarmos obras que tratam aqueles temas com outro espírito, outras intenções, e afeitas às expectativas de outro público.