Cunha e Silva Filho



                 Qualquer morte de alguém, excetuado os monstros em figura humana, nos comove. Mas, a morte motivada pela violência contra as crianças, é imperdoável. Ninguém, em sã consciência, está pronto para perdoar os criminosos, os homicidas covardes, os violentos sedentos de barbárie.

                Confesso: não sou Cristo, principalmente quando vejo mais uma tragédia – fruto da extrema violência em que se transformou a bela cidade de São Sebastião, o amado Rio de Janeiro, tão amado que já rendeu tantas lindas composições musicais de nossos autores mais proeminentes, tão amado que, apesar de tantas monstruosidades praticadas contra o habitante dessa encantadora urbe, ainda é um canto de sereia a cidadãos do mundo inteiro. Pois foi, leitor, nessa deslumbrante e paradisíaca metrópole, que há dois dias se abateu mais uma tragédia, não uma tragédia grega de um Ésquilo(525-456 a. C.), por exemplo, que nos provoca a catarse, mas uma tragédia carioca. Rodrigueana? Não, mais do que isso, porque é um desastre real, que aconteceu na rua, num bairro, que já foi encantador também, como é a Tijuca - esse outrora acolhedor bairro da zona norte, que abriga tanta gente importante até hoje,como o fez no século 19, em parte no século 20.
                Mataram João Roberto, uma criança de quase quatro anos. Uma criança simplesmente, um quase bebê, uma anjinho ainda. Mais uma bala perdida? Não, não foi bala perdida. Foi bala “encontrada”, como diria meu filho, Francisco Neto, foi bala de assassino. E foi exatamente esse o termo usado pelo pai do pequenino João Roberto para definir tanta desolação que lhe ia no imo d’alma. Hão de sempre me ressoar na retentiva as palavras que explodiram da consciência ultrajada e indignada de uma pai diante da tragédia de um filho, de um inocente, de uma criancinha pura e simples. 
             João Pedro com sua mãe no volante, (e aqui me lembro da tragédia do pequeno João Hélio, no subúrbio do Rio) com seu irmãozinho bebê, passavam por uma das ruas do bairro. Creio que iam de volta para casa. De repente, de um carro de polícia, com dois homens bem armados, em perseguição a assaltantes, saem disparos, muitos disparos em direção ao carro em que estão João Roberto, sua mãe e seu irmãozinho de meses. A mãe de João Roberto pára o carro e atira uma mochila de criança, como a indicar que ali dentro não há bandidos, mas uma família, uma linda família, sem arma, sem proteção, sem nada. A mãe de Roberto dá sinais da situação desesperadora e horripilante em que se encontram ela e seus filhinhos. Porém, é tarde, é muito tarde. O pequeno João Roberto já tinha sido atingido na cabecinha inocente. Tudo estava consumado. A pouca distância do local, um taxista ainda jovem percebeu barulhos . Era o pai de João Roberto, que ganhava com o suor do seu rosto o sustento da família, no instante em que um dos seus membros já tinha sido trucidado por irresponsáveis, ou nas palavras do pai, por “despreparados”. Todos nós sabemos que usara de um eufemismo porque estava diante das câmaras e queria respeitar a presença do público.
           O Secretário de Segurança pediu desculpas pelo que ocorreu. Entretanto, desculpas não pagam a vida de ninguém, muito menos de uma criança, muito menos ainda da desgraça que recai sobre uma família feliz. Ninguém consola um pai ou uma mãe que perdem o filho nestas condições. É uma ferida que não cicatriza.
           As palavras do pai de João Roberto têm a eloqüência trágica e elas atingem a consciência ferida de todos nós, em qualquer parte, em qualquer época. A dor desse pai de alma estraçalhada e dessa mãe sofredora é universal. É dor compartilhada pelos que repudiam tudo isso. “Eu sou uma pessoa de bem, pago impostos,” exclamava esse pai de alma ferida para sempre. Suas palavras veementes, corajosas e incrivelmente educadas resumem o protesto de um cidadão brasileiro ameaçado hoje constantemente pela impunidade de um Estado sobre o qual um respeitado jornal inglês já faz prognóstico econômicos de se tornar uma super-potência...
      Não vejo outro modo de concluir minhas palavras nesta coluna senão com o protesto desamparado de um pai infeliz diante da tragédia familiar: - “assassinos, assassinos...!