Nos tempos do Pituca
Por Miguel Carqueija Em: 26/04/2012, às 08H49
(Miguel Carqueija)
Como o Brasil perdeu e esqueceu uma preciosidade da arte da história em quadrinhos
NOS TEMPOS DO PITUCA
Quando eu era criança, circulava nas bancas uma revista excelente chamada a “Vida Infantil”, que apresentava matérias diversas e histórias em quadrinhos produzidas no Brasil. Existia também a “Vida Juvenil”. Na primeira apareciam os quadrinhos de “Lourolino e Remendado”, um papagaio e um cágado vivendo aventuras que incluíam um pássaro preto conhecido como Zulu. Tinha Plácido e Muso, Sir Can Can, e o vigarista Cid Bengala. Na Vida Juvenil comparecia o herói C.B.
Creio, porém, que o mais carismático era o Pituca, da Vida Infantil. Era um macaco que usava roupas — como é comum os bichos antroporfizados — desenhado por certo Joselito, e que vivia aventuras muito dinâmicas. Com traços bastante distintos, Pituca era naturalmente simpático e aliciante; mas era também um sem-vergonha, um malandro de marca maior, que passava a vida tentando se dar bem à custa dos outros. Embora fosse desonesto, parece que granjeara muitos fãs entre a garotada. É verdade que, no fim, acabava sedando mal.
Infelizmente a revista logo se extinguiu. Joselito ainda prosseguiu em outra publicação infantil da época, o “Sesinho” (do SESI), com a página do Champanhota — um gato pobretão mas metido a grã-fino, que até usava cartola, luvas e bengala. Joselito já não tinha o mesmo espaço; se Pituca estrelava aventuras épicas, Champanhota se limitava a historietas de uma página, simples anedotas.
Guardei na memória — apenas na falível e desvanescente memória! — duas histórias do Pituca, verdadeiras novelas gráficas publicadas nos almanaques da Vida Infantil. Numa delas, que aparentemente dava sequência a uma aventura que nunca cheguei a ler, o macaco estava querendo localizar um anel mágico que lhe fôra tirado e cuja posse dar-lhe-ia poderes de super. O objeto estava sob a guarda de um rato que morava sozinho numa cabana, no fundo de uma floresta mágica, a uma distância absurda (ao que parece o personagem em questão não cogitava utilizar os poderes da pedra). Motivado a recuperar o anel, Pituca resolve procurar uma bruxa que descobria coisas na bola de cristal. Ela, de fato, consegue dão ao nosso anti-herói a exata localização da cabana — mas, dada a distância, como chegar até lá? Pituca, resolvido a ir, pede emprestada a vassoura da bruxa. Esta se recusa a emprestar, mas pode alugar a um preço astronômico, e pago à vista.
Mas o Pituca é um sujeito desonesto, não percam isso de vista. Pensando rapidamente, ele pediu para dar uma olhadinha na bola, fingindo ser um principiante de vidência. A bruxa permite. Ele senta, finge que olha e simula o maior susto: “Que horror, dona bruxa! Uma caveira! Venha ver!”
A vidente se espanta: “Uma caveira? Isso é mau sinal!” Pituca dá o lugar, ela senta e busca ver a tal caveira na bola de cristal. Mas aí o Pituca agarrou a vassoura e PLAFT! Na cabeça da pobre bruxa. Ela cai desmaiada e o pelintra, já montado na vassoura e prestes a sair voando, ainda debocha da sua vítima: “Até logo, dona bruxa. Fique sabendo que a gente só vê a caveira dos outros.”
Aqui parece que há uma inconsistência, à qual o desenhista não deu atenção: poderia uma vassoura mágica ser “voada” por alguém que não a própria feiticeira dona, ou alguém com poderes equivalentes? Mas deixemos de lado esse detalhe; prossigamos.
Pituca voa, voa e voa, atravessando grandes distâncias geográficas, e afinal aterrissa na floresta encantada. Muitas coisas ainda acontecerão — não esqueçam, é uma novela gráfica — mas no fim ele é castigado.
Recordo uma outra história deliciosa, onde o Pituca se junta a um grupo de irmãos esquilos, cada um dos quais possuia um poder paranormal. Um deles, por exemplo, tinha vento num dos ouvidos, o que o forçava a mantê-lo sempre fechado. Eles encontram um coelho que tinha uma “perna de sete léguas”, capaz de esticar tanto que servia como meio de transporte. O coelho esticava a perna, erguia-se assim no ar e ia para onde quisesse — ao pousar, simplesmente recolhia a perna, que voltava ao tamanho normal.
Pituca acompanha o coelho e os esquilos numa aventura medievalesca, ajudando um rei coelho e sua princesa coelha — da qual, é lógico, o coelho de perna mágica se enamora — contra as maquinações perversas de um conde lobo — (bicho bem emblemático de maldade, coitado). Como a HQ coloca um vilão realmente malvado, por algum tempo o Pituca posa de bonzinho; mas após a derrota do “cara mau” o macaco mostra mais uma vez o seu caráter tortuoso e tenta fugir levando o tesouro real.
É pena que os bons tempos da Vida Infantil acabaram de há muito, e para sempre. Que fim levou o Joselito? E a sua obra magnífica, perdeu-se no vácuo?