NÓS DOIS E A MAÇÃ

     Era finalzinho da tarde de domingo. Já estávamos nos arrumando para deixar o sítio, onde tínhamos passado o fim de semana, e voltar par a barulhenta cidade.

     Havíamos acabado de aguar as plantas (já haviam sido aguadas às seis da manhã, mas nosso verão é de rachar e exige duas aguações diárias.). A sombra da carinhosa mãe negra noite estava começando a envolver tudo. Mas ainda restavam alguns tons rosados que se despediam lá no mergulho que o sol faz no Ocidente. A luz do alpendre já estava acesa e, juntamente com o restinho de luz colorida do poente, nos deixava numa agradável penumbra no jardim, que exalava umidade e perfume.

     Foi então que me lembrei de meu costume de todo dia comer uma maçã. Fui à cozinha, abri a geladeira e peguei uma. Voltei ao jardim e dei a primeira mordida. Delícia! “Nós já vamos sair, deixe para comer essa maçã em casa,” foi o que ela me disse. “Não, prefiro comer agora, pegue, coma também, faz bem pra saúde,” eu falei. Quando ela pegou a fruta, senti a umidade e a maciez de sua mão molhada de tanto aguar o jardim. Algumas gotas d’água resvalaram de sua mão para a minha. Não temos regador, nem mangueira, nem torneira e molhamos as plantas com latas, jogando água em nossas mãos para cair fragmentada sobre os arbustos, a grama e pequenas árvores em crescimento.

     Ouvi o pequeno ruído da mordida que ela deu na maçã. Ela tem dentes fortes, saudáveis e bem brancos.  “Pegue,” foi o que ela falou, me devolvendo a fruta. “Tome,” eu disse após dar minha mordida. E assim ficamos nos dizendo “tome” e “pegue”, trocando a maçã de mão a mão e boca a boca para, no final dessa comida, trocarmos um beijo. São deliciosos e aromáticos os lábios da mulher amada com o sabor da fruta que foi a perdição de Adão e Eva. Para mim e minha garota, foi uma bênção até mesmo porque não apareceu serpente nenhuma, nem vai aparecer, pois, num jardim onde o amor prevalece, não existe lugar para cobra.