A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal.
Raul Seixas
Borderline. Narcisismo. Fobias. Histeria. Paranóia. Esses são apenas algumas das neuroses e dos chamados transtornos de personalidade que compõem a lista da DSM, Manual Diagnóstico e Estatístico dos Problemas Mentais. Apesar de ser mais utilizado nos Estados Unidos, esse guia tem importância internacional porque ajuda no treinamento de profissionais que trabalham com a saúde da mente. E segundo li, parece que nos próximos dois anos, em uma edição atualizada, aproximadamente 12 novas síndromes serão acrescentadas a ele.
Portanto, pergunto: será que existe alguém que ainda possa ser considerado normal?
A pergunta pode parecer estranha. Afinal, para a maioria das pessoas o anormal é sempre o outro. Quantas vezes já não rotulamos alguém de maluco ou “fora da casinha” só porque sua atitude foge do padrão estabelecido pela sociedade? Para muitos, é absolutamente “normal” rotular, pois assim, os outros, os diferentes, é que serão os anormais, os dignos de pena.
No entanto, se deixarmos de lado velhos e batidos preconceitos, veremos que está cada vez mais complicado diferenciar os comportamentos normais dos anormais. Em outras épocas, por exemplo, a melancolia era considerada uma emoção comum, geralmente associada a pessoas românticas. Hoje, é provável que uma pessoa melancólica seja diagnosticada como depressiva e tenha de ser acompanhada por um terapeuta. Novos tempos, novas interpretações.
De minha parte, não sendo psicóloga ou psiquiatra, acredito que o melhor caminho para quem deseja ser considerado normal é o “caminho do meio”, ou seja, o equilíbrio. Sentir-se triste (ou melancólico) nada tem, do meu ponto de vista, de doentio. Nem sempre acordamos alegres; às vezes, queremos ter o direito de usufruir de momentos mais introspectivos para, quem sabe, termos a chance de colocar certos fatos da nossa vida dentro de uma perspectiva mais realista. É como explica o terapeuta Paulo Fernando Bittencourt Soares: “Ninguém é linear o tempo inteiro. A normalidade é uma flutuação de humor e isso inclui que a pessoa tenha sintomas de vez em quando”. O problema, portanto, não está na tristeza em si, mas na forma como lidamos com ela.
O cuidado com o equilíbrio das emoções é uma regra válida para qualquer outro tipo de sentimento. Estarmos satisfeitos o tempo todo – assim como a personagem Pollyanna, do livro do mesmo nome, e o seu “Jogo do Contente” –, também pode ser um sintoma de que alguma coisa muito errada está acontecendo.
De qualquer maneira, o fato é que existem diferentes tipos de perturbações mentais pipocando por aí, das mais leves até as mais pesadas. Os próprios médicos dizem que qualquer um que resolva procurar um psicólogo ou psiquiatra tem grandes chances de ser diagnosticado com algum tipo de problema mental ou emocional. A lista da DSM, só no que se refere às neuroses, é imensa: fobias diversas, histerias e obsessões variadas. É praticamente impossível não se sentir incluído em alguns dos sintomas relatados. Afinal, ainda não encontrei ninguém que não tenha algo mal resolvido em sua vida. Um pai (ou mãe) intolerante ou, ao contrário, permissivo demais. Uma infância pobre ou muito cheia de privilégios. Um professor rigoroso que não soube entender a genialidade de seu aluno. Enfim, o que não faltam são traumas, ou, como dizem os terapeutas, fontes de futuros problemas mentais.
Por essa razão retorno à pergunta inicial: será que ainda existe alguém que possa ser considerado normal? A resposta mais honesta é um sonoro não! A normalidade é um ideal a ser atingido. Para alcançá-lo na sua plenitude teríamos de estar, o tempo todo, absolutamente, satisfeitos com o que escolhemos ser. Aceitaríamos os nossos defeitos com tranquilidade, não veríamos na diferença uma ameaça e acreditaríamos que os nossos pais fizeram, na medida do possível, o melhor por nós. Parece fácil, mas todos sabem o quanto é difícil atingirmos esse nível de satisfação. Pelo que sei apenas alguns poucos seres iluminados, como Jesus Cristo ou Buda, atingiram tal estado de beatitude.
Enfim, acredito que os consultórios médicos ainda permanecerão um bom tempo, cheios de pacientes buscando a cura ou o simples alívio para os seus conflitos mentais e emocionais. No entanto, a discussão sobre o que é normal e anormal ainda está longe de ser encerrada, pois, querendo ou não, como diz o velho ditado: “De médico e louco todos nós temos um pouco”.