[M. T. Piacentini]

 "As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios 
                                                            ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais 
                                                                                                 em todos os domínios." 
(Bakhtin)

 



Tenho recebido de vários leitores indagações sobre o que é afinal a língua-padrão, termo que começou a circular fora do meio acadêmico. É diferente de norma culta? Trata-se de sinônimos?


Quando acessam a internet e buscam uma página como o Língua Brasil para solucionar dúvidas, os consulentes – que já falam e escrevem português cotidianamente – desejam ampliar seu capital linguístico obtendo conhecimentos que estejam de acordo com a modalidade de língua chamada padrão ou culta. Por isso achei oportuno trazer essa questão a discussão neste espaço semanal. Procurarei fazê-lo em linguagem o menos possível acadêmica e acessível aos leitores interessados.


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Mesmo que não se mencione terminologia específica, é evidente que se lida no dia a dia com níveis diferentes de fala e escrita. É também verdade que as pessoas querem “falar e escrever melhor”, querem dominar a língua dita culta, a correta, a ideal, não importa o nome que se lhe dê.


O padrão de língua ideal a que as pessoas querem chegar é aquele convencionalmente utilizado nas instâncias públicas de uso da linguagem, como livros, revistas, documentos, jornais, textos científicos e publicações oficiais; em suma, é a que circula nos meios de comunicação, no âmbito oficial, nas esferas de pesquisa e trabalhos acadêmicos.


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Não obstante, os linguistas entendem haver uma língua circulante que é correta mas diferente da língua ideal e imaginária, fixada nas fórmulas e sistematizações da gramática. Eles fazem, pois, uma distinção entre o real e o ideal: a língua concreta com todas suas variedades de um lado, e de outro um padrão ou modelo abstrato do que é “bom” e “correto”, o que conformaria, no seu entender, uma língua artificial, situada num nível hipotético.


Para os cientistas da língua, portanto, fica claro que há dois estratos diferenciados: um praticamente intangível, representado nas normas preconizadas pela gramática tradicional, que comporta as irregularidades e excrescências da língua, e outro concreto, o utilizado pelos falantes cultos, qual seja, a “linguagem concretamente empregada pelos cidadãos que pertencem aos segmentos mais favorecidos da nossa população”, segundo Marcos Bagno (A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. SP: Parábola, 2003, p.51).


Convém esclarecer que para a ciência sociolinguística somente a pessoa que tiver formação universitária completa será caracterizada como falante culto (urbano).


Sendo assim, como são presumivelmente cultos os sujeitos que produzem os jornais, a documentação oficial, os trabalhos científicos, só pode ser culta a sua linguagem, mesmo que a língua que tais pessoas falam e os textos que produzem nem sempre se coadunem com as regras rígidas impostas pela gramática normativa, divulgada na escola e em outras instâncias (de repressão linguística) como o vestibular.


Isso é o que pensam os linguistas. E o povo – saberá ele fazer a distinção entre as duas modalidades e os dois termos que as descrevem?