Noite de Natal

 

Rogel Samuel: Noite de Natal

 

O velho naquela noite finalmente saiu de casa. Se é que aquilo onde morava era uma casa. Vivia só. Nem sabia se ainda tinha família. Abriu a porta a medo, olhou para os lados. Prosseguiu pela calçada deserta e chuvosa. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa. Virou a esquina e se perdeu. Nas dobras de sua consciência esqueceu-se de todo.

 

Aquela rua descrevia um arco que se estendia até a amurada do mar. Quando criança, o velho pulava dali para a pequena praia e se jogava no mar. Como por um cortinado que se abria, ele reviu seus irmãos e primos, sua mãe Aurora, seu tio Rigoberto. A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.

 

Aquela rua deserta e o velho descia no meio da noite. Não havia ninguém ali e ao longe se viam os raros carros que passavam na estrada de asfalto rumo à costa Leste da cidade. Não havia ninguém ali além do céu escuro e do ruído das pedras úmidas cortadas pelas curtas ondas do mar calmo. O velho desceu a escadaria velha arrastando os pés. Uma vaga sensação de alegria inundava seus olhos de lágrimas, pois ele sentia ali a curva do caranguejo onde sua família se recreava aos domingos.

A noite era escura e ele via, ao longe, a grande árvore de natal da prefeitura acesa.