No mar que nada tem a dizer
Por Rogel Samuel Em: 23/02/2009, às 04H52
No mar que nada tem a dizer
No mar que nada tem a dizer
Rogel Samuel
Jefferson Bessa escreveu um poema que diz:
Deixe-me no mar que nada tem a dizer
Deixe-me no mar que nada tem a dizer
Deixe enrolar-me
nas ondas que florescem
Cá na beira onde meu corpo
se dobra
Por lá não posso estar
Mas aqui na ponta do mar
desponta o que bate em mim
Em mim que não sou
Mas que sou com o mar o que brota
em cada baque
seu
neste litoral
Seu mar é seu próprio corpo, nomeado. Nomear é a presença! A impessoalidade é um fenômeno humanamente trágico, embora “normal”, visto no plano poético. Seu litoral é o limite de seu não-ser. Mas o impessoal, que se vê como mar, que tem a consciência de ser mar, ou que tem a sabedoria do vazio, é o poético. Esse vazio, ser mar, nada-ser ou não-ser-nada, quer ser algo: quer ser si mesmo, o resultado de seu esforço por ser-algo é o acontecimento de seu despontar "em mim que não sou".
O que o poema diz é: deixe-me ser como sou! deixe-me ser o que sou!
O nada, ao emancipar-se, ao passar a ser, esbarra na inutilidade de seus esforços
do despontar aquilo que brota a cada instante em si, em cada onda.
Todo esforço, que parte de algo que tende a explicar-se, é ser mais, portanto
na natureza do esforço mesmo de ser deixado em paz, a partir do nada, reside uma pretensão de emancipar-se, portanto de ficar em paz.
A realidade do poema: o sujeito é o objeto: deixe-me significar o que dei-me de mim a mim-mesmo o direito de ser.
O mar nada tem a esconder, a me dizer, pois sou eu-mesmo que me visto de oceano.