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NEUZA MACHADO: O FOGO DA LABAREDA DA SERPENTE

 

SOBRE O AMANTE DAS AMAZONAS DE ROGEL SAMUEL

 

 

 

 “Paxiúba, emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”.  Por que o narrador visualiza “Paxiúba (como) emblema da Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”? Paxiúba é o símbolo do guerreiro mítico, gerado por seres excepcionais: a índia caxinauá e o negro barbadiano. O pai de Paxiúba, para o projeto mítico-ficcional em questão, teria de ter uma ascendência diferenciada, notável. Paxiúba teria de ser oriundo da fusão do lendário indígena com o fantástico do imaginário africano. Há poucos negros no Estado do Amazonas. O “pai” teria de se constituir diferente dos outros pais das miscigenações usuais da realidade dos costumes amazonenses. O caboclo, originário da mistura entre o índio e o branco, não possui o porte, o vigor deste personagem. Paxiúba é o “emblema”, o símbolo dos poucos “bugres”, representantes da raça forte que por ali transita. Para a “Amazônia amontoada e brutal, sombria, desconhecida, nociva”, o autor reserva os símbolos depreciativos. “Amazônia amontoada”: todos os estratos sociais (brasileiros e universais) que para ali vão, em busca de riqueza fácil. “Amazônia brutal”: espaço geográfico onde se digladiam, em prol do rendimento pecuniário, seres grosseiros e violentos, já maculados pelas regras insanas do capitalismo selvagem. “Amazônia sombria”: receptáculo de seres tristes, lúgubres, despóticos, capazes de quaisquer ações de conseqüências desagradáveis para alcançarem seus intentos progressistas. “Amazônia desconhecida”: espaço geográfico ignorado politicamente (pelo menos, durante a ocasião do desenvolvimento do projeto ficcional), “terra de ninguém” onde se faz presente a lei do preferencialmente forte, social e miticamente apresentada. “Amazônia nociva”: Amazônia em que todos estes danos, apresentados pelo narrador, ameaçam destruir a hegemonia da nação brasileira. Paxiúba é o “emblema” (símbolo) porque, por intermédio de sua face sócio-substancial, duplicada pela ficção, o narrador o coloca como “pistoleiro do rei”, o capanga profissional, o assecla do poderoso dono do Manixi. E, para ser o “emblema” do Amazonas e sustentar a honraria, o candidato ao cargo e ao título teria (terá) de ostentar (mesmo que não fosse / que não seja imortal) a poderosa face do mito.